O PANTANAL DE MATO GROSSO segundo Flávio Calazans

Tive a oportunidade de estar por três vezes na região do Pantanal, e é impossível nao querer retornar mais e mais vezes.

O Pantanal é uma reserva ecológica, alguns dizem que é a maior reserva ecológica do mundo, com seus 230.000 kilometros quadrados, um patrimônio natural da humanidade, fica bem no centro do Brasil, cobrindo os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul , na Região Centro-Oeste.

A magnitude da imensidão do Pantanal impressiona, sua área é igual aos territórios somados de Portugal, Holanda, Bélgica e Suíça juntos.

Corumbá é chamada Cidade Branca, e fiquei muito impressionado quando, lá pelo por do sol, um vento pontual todo dia trazia uma fina poeira de calcário das montanhas rochosas, e como um talco cobria tudo, carros, roupas, pelo dos cavalos, em um fenômeno impressionantemente lindo que branqueia tudo, uma película branca meio que lavada pelo orvalho da noite, uma cidade que é pura poesia em sua geografia, bem às margens do rio Paraguay que Cabeza de Vaca cartografou depois de mapear as Cataratas do Iguaçu.

Em Corumbá os portugueses fundaram o Forte Coimbra, o Álamo brasileiro, onde um soldado cortou a mão direita de cada índio e os soltou vivos, criando neles o costume de cortar a mão direita de cada branco capturado..em uma trégua os soldados receberam mulheres índias para uma orgia sexual como acordo de amizade, índias estas as quais, tal qual um “Cavalo de Tróia” na madrugada abriram os portões para seus guerreiros chacinarem todos os portugues, um episódio épico narrado no filme “Brava Gente”, e Corumbá também chegou a ser invadida na Guerra do Paraguay.

Todo o Pantanal é uma enormidade de planície, uma beleza cinematográfica que inspirou a telenovela de sucesso “Pantanal”, planície cercada de serras que formam uma barreira natural, uma represa de águas alagando tudo, um mundo de lodaçal fervilhando e vida, não é um pântano, as águas estão sempre em movimento, límpidas e cristalinas, fluindo sempre, na época das cheias, mais de 100 mil quilometros quadrados de terras ficam alagadas por meses a fio, nesta época o gado chega a ser transportado em barcas enormes, balsas típicas, os “Navios Boieiros”.

Só há duas estações: Chuvosa e Seca, inundação ou estiagem, passado o calor de 40 graus do verão úmido vem a chuva e as enchentes.

Há lagoas salinas, depósitos de sais minerais que geraram as lendas populares sobre alí ter sido um oceano em outras eras geológicas, os boiadeiros as chamam “Lambedouros”, pois o gado adora ir nelas lamber os sais, nestas lagoas há até animais tipicamente marinhos, como a Arraia-Pintada , os espanhóis no Século XVII até batizaram esta imensidão de águas de “Mar dos Xaraiés” em homenagem a tribo de índios seus aliados, os Xairaiés.

Porém, em torno dos abundantes rios, há os Banhados, chamados de brejos ou alagadiços, ricos de uma vegetação flutuante e submersa, flora e fauna tipicamente pantaneira, que só existe aqui, e em nenhum outro lugar do mundo, e onde o solo é firme crescem Ipês de 10 metros de altura que nos meses de agosto e setembro tingem a paisagem de um amarelo dourado, palmeiras acuri que os índios guatós utilizam pelo palmito, polpa, casca e amêndoa como fruto, e a carandá é outra palmeira de mata ciliar, da beira dos rios, cujo fruto abundante alimenta peixes enormes como o pacú .

Todo o caminho só pode ser feito de barco, os rios são as estradas fluviais naturais.

Nas margens dos rios repousam jacarés (gigantes de dois metros e cinquenta centímetros), capivaras, aves como o coelheiro de bico de colher, flamingos vermelhos e o símbolo do pantanal, o enorme Tuiuiú, equilibrando-se no seu ninho no topo das árvores mais altas, onde o João-de-Barro modela seu famoso ninho de argila queimado pelo sol abrasador, terra queimada tornando-se dura cerâmica, um lindo castelo preso nos galhos (em arvores que são um indescritível espetáculo de folhas e flores); tudo isto sem contar os barulhentos periquitos, papagaios, araras, Bem-Te-Ví, beija-flores-colibris, garças, tucanos, gavião-real e, no solo mais seco, as elegantes Emas desfilando em grupos, tudo ao ocasional canto lindo da Seriema, que o pantaneiro defende sempre, por se alimentar das perigosas cobras.

Sucurí, um nome que é um pesadelo vivo..cobra gigantesca que, segundo contam os pantaneiros, engole um boi inteiro, vive em lagos, rios e pântanos, foram capturados espécimes de até 9 metros pesando 150 quilos de músculos duros, uma força que esmaga os ossos do animal no qual enrrola-se, estrangulando e engolindo pela cabeça, os pantaneiros sempre trazem fotos das capturadas com barrigas enormes, estufadas por capivaras, antas, veados, onças e até por crianças e adolescentes engolidos semi-mortos pelas fraturas...o couro da Sucurí é muito usado em cintos e sapatos, presentes usados por qualquer boiadeiro e pantaneiro.

O pantaneiro tem sua própria medicina, que atrai os olhos gananciosos da Biopirataria das multinacionais que só querem roubar e patentear as curas que são de todos; Tererê é o chá de chimarrão frio, que o boiadeiro sorve por um canudo às vezes de metal, outras de madeira, saboreado sem parar o dia todo de um tipo de caneco de chifre de boi, um pó de erva molhado e socado de cheiro forte e sabor amargoso, com um visual que lembra as águas dos charcos, que estimula a trabalhar sem cansar; o Guaraná diluído em água que retarda o envelhecimento e tira a canseira, além de ser afrodisíaco; o Óleo de Capivara cicatriza aceleradamente o hematoma amassado da pisadura da pata cascuda dos bois e vacas, Gordura de Sucurí cura bronquite e asma; Melado de Aroeira cicatriza imediatamente fraturas, torções, nervos e ligamentos rompidos, etc.

O pantaneiro tem um rico folclore e literatura oral, nas festas dança ao som das enormes Arpas, instrumentos de corda cujo som harmonioso e melodioso é extraído com maestria por dedos ágeis também na faca de churrasco, em uma dieta de arroz, mandioca, farofa, carne seca e infinitas variedades de peixes, tantos que alguns mais esportistas procuram locais onde demorem mais de um minuto para morder a isca por achar sem graça ou espírito de esporte jogar a isca e imediatamente puxar a vara com a linha tesa por um pexão fisgado.

Dentro da água transparente e cristalina populam infitos cardumes de todo tipo de peixe, mais de 260 espécies diferentes: Jaú (bem escuro, de 90 centímetros) , Pintado (de 80 centímetros em média, mas já foram capturados-pescados alguns de 2 metros e cem quilos!), Cachara, Dourado ( de 55 centímetros), Pacú ( de 40 centímetros), Piau, Cascudo, e as centenas de Piranhas podem descarnar em minutos um boi inteiro, mal sobrando alguns ossos, daí os boiadeiros escolherem um boi velho e o fazerem entrar no rio abaixo, e enquanto atrai as piranhas famintas e insaciáveis, o rebanho atravessa rio acima, daí a expressão “Boi de Piranha” como o bode expiatório, o inocente sacrificado, o suicida involuntário, um termo popularizado e presente no incosciente folclórico brasileiro.

É proibido pescar na desova, o período de reprodução, a Piracema, de 1 de novembro a 31 de janeiro (mas que pode ir extendendo-se, conforme as chuvas, de outubro a março, pois, além das chuvas, nesta época vem também o degelo das águas minerais da cordilheira dos Andes causando as cheias de novembro a abril, florescendo as plantas aquáticas).

Todavia, nem tudo está na água, além da Ema, que parece um veloz avestruz de pescoço longo e plumas da cor da areosa terra seca, há o lobo-guará, jaguar, jaguatirica, onça pintada e outros carnívoros, cujas refeições são as enormes Antas-Tapir, Porco-do-Mato (Cateto e Queixada) , Veados, Macacos, manadas de tímidas mas gordas Capivaras mergulhando nos rios para fugir ao nosso olhar curioso, intrometido, voyeur, Capivaras de 1,35 metro e 80 quilos .. e as ariscas lontras Ariranhas ( caçadas pela linda pele, chegam a dois metros e cinquenta centímetros da cabeça à cauda, e os machos pesam até 45 quilos!), os Gambás com seu jato de urina fétida parecem imunes aos caçadores, além de Tamanduás, Guaxinins, Quatis, Ouriços, Cotias, Pacas, e uma variedade incrível de espécies.

Na noite voam corujas-mochos e morcegos, mariposas e centenas de famintos mosquitos.

Além das coloridas borboletas, entre os insetos e aracnídeos fascinou-me a Barata-d’Água , um artrópode que nada e prolifera nos alagados, e que nos dias mais quentes do verão tem seu cio; as fêmeas partem voando baixo, perseguidas por diversos machos, num rasante de 15 a 20 centímetros do chão; ao ouvir o som das asas delas, os pantaneiros (principalmente as mulheres de saias) correm para dentro de casa, pois além da batida nas pernas ser muito forte, as baratas podem agarrar-se, e suas patas espinhudas ferem fundo, além das mandíbulas mastigadoras morderem forte e tirarem sangue, isto tudo em um bicho de um palmo, maior que um pardal, quase um pombo, de um tamanho inconcebível!

Em Campo Grande, Capital de Mato Grosso do Sul, há o Museu Dom Bosco, onde, além de arte plumária indígena e animais diversos empalhados e Cds de música com cantos indígenas e canto de todos estes pássaros, há exemplares embalsamados ou secos destas baratas gigantes, uma forma de vida impressionante que só vendo de perto o turista estrangeiro poderá acreditar que existe mesmo esta forma de vida única.

Também há o Turismo Ecológico oferecendo passeios em lugares de uma beleza única, Bonito é uma cidade de rios (Sucurí, da Prata, Formoso,etc), cachoeiras (Mimoso) e lagos transparentes, grutas e cavernas para megulho submarino (Gruta do Lago Azul, Mimoso), aquário natural de baía bonita e diversos pontos de mergulho de contemplação nos quais nada-se entre peixes numa água de total visibilidade, Bonito é um polo atrativo de turismo internacional que atende desde o público da terceira idade até o de esportes radicais.

O Pantanal é um paraíso ecológico e histórico que precisa ser visitado, pretendo voltar lá em breve.

. BIBLIOGRAFIA:

MAGALHÃES, Nicia Wendel de. Conheça o Pantanal. São Paulo: Terragrafh, 1992.

TEIXEIRA, Raimundo Nonato. Isto é o Pantanal. (mattriz propaganda, s.d., s.l.p.).

texto retirado do livro CALAZANS "Ecologia e Biomidiologia" Plèiade Editorial 2002 .

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