NATAÇÃO: PRAZER, ESPORTE, MEDITAÇÃO. Flavio Calazans

Para mim, nadar sempre foi um prazer; o contato com a água, a flutuabilidade e ausência de peso dando uma sensação de levitação, de vôo, de liberdade.

Não recordo-me de ter aprendido a nadar, minha mãe e minha avó sempre contavam-me que a primeira vez que fui colocado na areia da praia, bem na rebentação (um bebê de fraldas ainda começando a engatinhar, antes de ficar em pé e dar os primeiros passos) eu saí engatinhando e rindo até as ondas e fui erguido por uma delas, já nadando e divertindo-me muito ao brincar com as ondas e espumas.

Desde sempre nadei, desde antes de aprender a andar ou falar, e até hoje, sempre que nado, volto para a época antes das palavras, da verbalização, da mente e do ego.

Gosto de nadar, e no começo, quando entro na água, por um tempinho ainda penso e verbalizo mentalmente meus atos, aquela vozinha narradora vai falando, mas a cada minuto vou ficando mais solto, mais flutuante, fico boiando sem esforço, e aquela voz da mente, do ego, da civilização vai ficando espaçada por silêncios de emoção, de um êxtase ou bem-aventurança, um prazer além da mente e das palavras, um tipo de meditação ou oração, um encontro com o oceano, a natureza, Deus. .. o TAO..

O silêncio vazio entre as palavras vai aumentando, silêncios cada vez maiores, até que ficam enormes espaços entre frases ou palavras desconexas e ocasionais; neste momento já não tenho noção do tempo, nem de quem sou, de meus problemas, planos ou projetos, sem memórias de um passado que já passou, nem projeções e devaneios de um futuro irreal, adiado.. só existe o aqui-agora, o presente permanente de que falam os alquimistas.

Costumo nadar sozinho, de máscara de mergulho, snorke repirador e nadadeiras, e ao respirar fundo e descer em mergulho livre-apinéia entre as rochas, encontrando o desconhecido a cada mergulho, sem respirar, prendendo o fôlego, amplia-se este espaço de não-mente, o Mu do Zen, o vazio de pensamentos, um paraíso Nirvana...entre a inspiração do nascimento e a expiração do último suspiro, uma yoga da respiração suspensa ao prender o fôlego no mergulhar.

A Apinéia de contemplação é sempre uma entrega ao desconhecido, um encontro com peixes sem nome, algas sem nome, crustáceos sem nome, um mundo não verbal onde cada nanosegundo é tudo, uma eternidade...em um mar que muda, rochas por vezes cobertas de algas, em outro dia cheias de ostras e mariscos afiados como navalhas que deixam cortes fundos e cicatrizes em todo meu corpo, misturando o mar ao meu sangue, e vice-versa, como em um pacto de amor ou de irmãos de sangue.

Vejo o mar como os franceses chamam, no feminino (La Mer), uma amante que abraça e envolve, em quem penetro, “La mer”cuja face muda com a maré a cada seis horas, onde ressacas quebram ondas violentas num dia e no outro tudo é plácido e calmo, uma água traslúcida com visibilidade de cinco metros ou turva e cega a menos de dez centímetros, a onda, a água, “La mer” que a cada dia muda, a cada lua, a cada maré, sempre novo e imprevisível...mutante e mutável, sempre uma descoberta, um desafio à espontaneidade, uma metáfora da própria vida, e um encontro constante com o imediatismo imprevisível da morte.

Esta paixão pelo mar, pela água, pelas ondas sempre acompanhou-me, e é parte de mim, como as cicatrizes dos cortes nos mariscos por toda a pele, como o bronzeado dos meses com a letra R, quando as águas de Santos estão mornas e é gostoso nadar (nos meses sem R, surge a Tainha migrando cheia de ovas amarelas e a água é gelada das correntes do ártico, surgem focas, pinguins e leões marinhos que vão para o Aquário Municipal ou empalhados no Museu de Pesca, os quatro meses frios do inverno: Maio, Junho, Julho e Agosto, nos outros oito meses estou sempre nadando nas ondas de Santos) .

Desde 1974, quando meu pai entrou de sócio no Clube de Pesca de Santos, que eu nado na Ilha das Palmas, sede do clube em Guarujá, bem na saída da baia de Santos, à esquerda.

Contudo, cada vez que mergulho a areia está diferente, cobrindo pedras, criando dunas submarinas, desvendando desfiladeiros novos entre rochas, e é rara a vez em que não encontre um carangueijo diferente, santola, siri, guaiá, e muitos sem nome e com as mais improváveis formas, formatos, cores e desenhos, sem contar a emoção de nadar sobre arraias jamantas gigantescas, ou entre cardumes curiosos de paratis, tainhas, e tantos sem nomes, ou, na PIRACEMA-desova de abril, nadar banhado pelas carícias macias de milhões de ovas fecundadas, fileiras delas, redondas, cilindricas, ovais, todas transparentes e gelatinosas, correndo pela pele, e ao mergulhar até o fundo, virando para cima ver o espetáculo de centenas, milhões de arco-íris nascidos da luz atravessando camadas e camadas de ovas, é como nadar dentro da vida, um mar de vida. Sentar nas rochas e sentir o impacto da rebentação das ondas é relaxante como uma hidromassagem, com a pele aquecida pelo sol e refrescada pelas ondas, lembrando aquele poema de Rimbaud: “Encontrei a felicidade na alquimia de sol e mar”.

Bhagwan Shree RAJNEESH foi um indiano iluminado aos 21 anos que depois foi professor de filosofia na Universidade de Jabalpur, e nos anos sessenta desenvolveu técnicas de meditação específicas para os ocidentais.

Logo após o incidente no ashram de Oregon-USA (quando seus discípulos (Sannyases) empregaram o histórico primeiro atentado bem-sucedido de Guerra Biológica nos USA, infectando saladas de restaurantes borrifadas com perdigotos da bactéria Salmonela Typhimurium em setembro de 1984 para influir em uma eleição municipal), RAJNEESH muda de nome e passa a assinar-se OSHO, com o significado de OCEÂNICO, aquele que dissolveu-se no oceano da consciência, em Deus.

No livro “Osho fala sobre Zen: Raízes e Asas”, São Paulo: Editora Cultrix, 1992, página 252, explica:

Kabir, um dos maiores místicos que já existiu, disse duas coisas- No início, quando eu estava em busca de Deus, pensava que a minha gota de água cairia no oceano do Divino. Mas quando realmente aconteceu, foi bem ao contrário, o oceano caiu em minha pequena gota.”.

E Osho- Rajneesh explica práticas milenares indianas, algumas, tal qual a “Tantra Yôga” (sexual-sensorial) ou a “Sahaj Yôga” (Da espontaneidade) sendo até os dias de hoje esotéricas e secretas para os ocidentais, mesclando metodologias místicas sufis, zen-budistas e outras, e apresenta uma explicação sobre natação no mesmo livro, “Raízes e asas” na página 183:

“Como você pode explicar a alguém que não sabe nadar, que nadar é maravilhoso, que é a mais bela experiência que o corpo pode lhe oferecer? É uma experiência tão harmoniosa, há tal unidade com a água, (...)Todo o corpo, cada fibra, cada célula, tudo fica vivo. A Água é vida, pois toda vida surge da água. A água é vital. Em seu corpo, você é oitenta e cinco por cento água, de líquido, estão se encontrando com um rio enorme, ou com o oceano. Você volta à fonte original da vitalidade...o rio gosta que nade nele, ele se sente feliz, porquê uma de suas partes voltou (...) Quando um nadador se torna perfeito, ele simplesmente flutua no rio.Nenhuma atividade é necessária, o rio faz tudo e o nadador simplesmente flutua. Em antigas tradições da yoga, existe uma meditação especial-apenas flutue no rio e sinta-se um com ele.Não faça nenhum movimento, não mexa o corpo, deixe o rio fazer o trabalho. E se o rio estiver fazendo todo o trabalho, e você estiver simplesmente flutuando, não fazendo, você terá a sensação de toda a existência. (...) Na meditação, você entra num rio de consciência (...)”.

Só quando lí estas palavras compreendí o que eu pratico desde antes de aprender a falar, compreendí meu prazer em nadar e flutuar, como uma meditação indiana ancestral e esotérica, secreta (Rajneesh-Osho também cita a natação no “Livro Orange”, São Paulo:editora Soma, 1982, página 29: Correndo, sacudindo-se e Nadando.).

Meu prazer de nadar é como uma oração, uma meditação sem palavras, onde sou preenchido por uma amor pela natureza de uma magnitude religiosa, como nas canções-poemas de São Francisco de Assis, uma espécie de panteísmo como descreve Espinoza, uma religiosidade pessoal, minha, que parece com a religiosidade de povos antigos, como a religiosidade dos yogues indianos, dos sufis árabes, dos taoístas chineses e zen-budistas japoneses, dos indígenas tupi-guaranís-tuninambás e tupiniquins que mergulhavam nos rios e no mar cinco a dez vezes por dia.

Assim é a natação, um esporte que exercita todos os músculos do corpo, uma meditação que dissolve o ego-mente no oceano-osho divino, e um prazer sem igual e sem limites de tempo ou espaço.

Meu amor pelo mar inspirou uma História em Quadrinhos que escreví desenhei, e que foi muito comentada quando saía em capítulos em uma revista de banca de jornais (Porrada Special, Ed. Vidente) com 70 mil exemplares mensais nos anos 80: “A Guerra dos Golfinhos”.

Dois poemas que surgiram entre as respirações de meus mergulhos:

“Tu és pó e ao pó retornarás...

Eu sou é água!

e vou evaporar, chover sobre vocês,

e escorrer nos rios

de volta ao meu mar!”

“Garapa-Sushi:

Nadando em Santos

Que delícia!

O mar tem cor de

Caldo de Cana

E sabor de

Caldo de Cona”


texto retirado do livro CALAZANS "Ecologia e Biomidiologia" Plèiade Editorial 2002

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