AS CATARATAS DO IGUAÇU e CABEZA DE VACA por Flavio Calazans

A palavra Iguaçu é de origem indígena,
vem dos índios guaraní e significa: Y, água, e Açu, grande, ou seja, grande água; um nome mais do que apropriado.

As gigantescas quedas de água das Cataratas do Iguaçu foram cartograficamente registradas pela primeira vez nos mapas do Século XVI pela expedição do lendário espanhol Alvar Nunes Cabeza de Vaca, o ex- tesoureiro da esquadra espanhola da Califórnia que, após o naufrágio, ficou oito anos prisioneiro das tribos indígenas, tornou-se um xamam ou pagé milagroso e foi o primeiro homem branco a chegar ao oceano pacífico por terra, depois de resgatado e reconhecido pelo testemunho de dez mil índios como fazedor de milagres, foi condenado a um exílio-degredo na África; depois veio ao Plata, fundou pela terceira vez Buenos Aires, e fez mapas desde a bacia do prata até ao Pantanal de Mato Grosso-Brasil, sendo o primeiro europeu a conhecer norte e sul das américas, defensor dos índios contra a escravidão e foi ele o primeiro branco a vislumbrar as Cataratas do Iguaçu (seus livros são apaixonantes! Os pesquisadores Historiadores sempre o lêem como referência bibliográfica).

Alberto Santos Dumont , o brasileiro inventor do relógio de pulso e que voôu no primeiro avião na França (14-bis), visitou as Cataratas em 1916, e impressionado com a exuberância do local lança a proposta de criar um Parque Nacional, que só foi verdadeiramente criado 23 anos depois, em 1939, mas em 1986 o Parque Nacional do Iguaçu foi declarado pela UNESCO como “Patrimônio Natural da Humanidade”.

Nas margens do rio Iguaçu habitava a tribo Caigangue, que venerava o Deus m’Boy, o deus-serpente gigante filho de Tupan; uma vez por ano era sacrificada uma virgem ao M’Boy, o guerreiro Tarobá apaixona-se pela filha do caçique Igobe, a virgem Naipi, e a salva de ser sacrificada fugindo com ela de piroga-canoa. Furioso, o ciumento M’Boy entre pela terra e contrai seu corpo de serpente, rachando a terra e formando as Cataratas do Iguaçu, os amantes foram engolidos pelas espumas, e Tarobá transforma-se em uma palmeira, Naipi em uma rocha, e o arco-iris da neblina leva as juras de amor dos dois de cima a baixo; esta é a romântica lenda guaraní das cataratas ( M’Boy depois será o nome da aldeia antiga dos bandeirantes em São Paulo, que hoje pronuncia-se EMBÚ das artes).

As Cataratas do Iguaçu chegaram a mim primeiro pelos ouvidos, como um contínuo ronronar crescendo a cada passo, um fundo subliminar fraquinho entre cantos de passarinhos diversos, coaxar de sapos e um coral de grilos, o agudo do gavião, a algazarra dos papagaios e periquitos, o estalido do bico do tucano, a surpresa do casal de araras azuis planando no desfiladeiro entre as nuvens de vapor de água das cataratas. E tudo isto sendo como fundo musical, a harmonia melódica de uma ópera da natureza cuja parte visual é a coreografia de borboletas muticoloridas, a corrida dançante de esquilos, lagartos, quatis, onça pintada, jaguatirica, puma, porco do mato, paca, cotia, tatú, veado mateiro, tartarugas, cágados, lontras, capivaras em grupo, colibris de todos tamanhos e coloração das plumas dançam desafiando a gravidade entre as flores, e centenas de formas de vida animal que fariam a festa dos biólogos da zoologia.

Todos sobre o cenário de floresta fechada com bromélias, orquídeas e flores perfumadas vestidas de teias de aranhas espiraladas, em forma de cones, redes e infinitas arquiteturas de fios prateados e dourados, teias rompidas por libélulas, mariposas, besouros, abelhas e insetos sem nome das mais variadas cores e formas em um desfile de biodiversidade que preencheria os sonhos mais ousados dos entomologistas (e também da biopirataria, pois a aranha Argiopidae tece uma teia cujo fio é proporcionalmente mais duro que o aço, um fio de 0,1 de diametro suporta 80 gramas de peso e tem elasticidade para ser estirado até 20% mais comprido antes de romper-se, o DNA desta aranha está sendo biopirateado e contrabandeado para criar ovelhas transgênicas clonadas cujo leite tenha estas características com o objetivo de criar tecidos de coletes a prova de balas para guarda-costas e exércitos, é só um exemplo da biopirataria que o Brasil vem sofrendo das multinacionais da biotecnologia, sem contar a criação de armas biológicas para Bioguerra, remédios e fórmulas químicas depois revendidas a nós sob pagamento de royalties e direitos autorais aos mesmos laboratórios biopiratas que nos roubaram).

Árvores de mais de 30 metros de altura, gigantescas, como Cedro, Peroba e coloridos Ipês, convivem com Pinheiros, Araucárias, Xaxim, Palmito, Laranjeira e Imbuia, é a Floresta Pluvial Subtropical com sua mata ciliar em torno dos infinitos rios e riachos, trabalho para várias vidas inteiras para muitos cientistas botânicos.

Ainda mais, tudo isto está recobrindo rochas cravadas de cristais de quartzo, gemas semi-preciosas e rochedos ferruginosos de lava vulcânica vermelhos (alegria dos geólogos) com infinitos tons de verde nas samambaias e arvoredos cuja folhagem os recobre; um espetáculo embriagante para qualquer pessoa com um mínimo de sensiblidade (e para aqueles menos sensíveis sempre há mosquitos, mutucas e borrachudos de plantão 24 horas cujas picadas podem despertar a pele mais calejada e anestesiada pela cidade grande), um Éden, um paraíso de emoções e de mistérios..

Aquele ronrronar vai crescendo a cada passo, enquanto desçemos em grupo pelas escadarias, e a humidade do ar vai subindo, os cogumelos, fungos, líquens e limo nos troncos das árvores denunciam uma atmosfera de pureza absoluta, respira-se vida saudável e fresca, é impossível não sentir-se inundado de um bem-estar na comunhão com a natureza em sua plenitude.

Com esta sinfonia preenchendo os ouvidos, tantas cores acariciando os olhos, o frescor e humidade desintoxicante deste aroma perfumado de flores aspirado no nariz, a brisa refrescante na pele-tato e nos pulmões, com todos os sentidos afagados pela mãe natureza vou ficando extasiado, maravilhado, sentindo-me abençoado, e, se naquele momento conseguisse pensar, minha mente teria vasculhado a memória em busca das canções de São Francisco de Assis louvando a irmã árvore e o irmão rio em uma oração ecológica... aqui nas Cataratas do Iguaçu é impossível não sentir o que Espinoza chamaria de panteísmo, o sentimento de sagrado, de divino presente em todas as coisas..um sentimento quase religioso de amor pela vida...o amor de que fala o biólogo chileno Humberto Maturana.

Ao virar uma rocha e dar de cara com a fonte daquele ronrronar, agora mais de perto parecendo com um rugido, como se fosse o som de um trovão contínuo, ..só se pode parar boquiaberto, a própria mente silencia, pois o pensamento só pode cessar, sem palavras para descrever o impossível, a grandiosidade de uma montanha de água em movimento sem parar, que parece uma coisa viva com uma energia palpável preenchendo o ar de todo o vale.

As Cataratas do Iguaçu tem 2.700 metros de extensão, sendo divididos em 800 metros do lado brasileiro e 1.900 metros do lado argentino; existem 275 saltos-quedas de água, variando entre 51 a 84 metros de altura, com uma vazão média de água de 1.760 metros cúbicos de água POR SEGUNDO, que triplica no período das chuvas e enchentes do rio.

Estes números nada dizem do sentimento de magnitude subjetivo experimentado por nós, visitantes, valores sem sentido para quem sentiu a carne vibrando nos ossos sacudida por estas águas (um passeio de bote inflável, o Safári Macuco, entra sob a catarata proporcionando-nos um banho de cachoeira cuja força da água caindo em jato é indescritível, incomensurável, inesquecível).

A quantidade de água é surreal, parece um sonho, e é uma imagem até mesmo difícil de guardar na memória, o tamanho acaba sendo reduzido, parcelado, simplificado, a nossa mente humana parece humilhada e falsifica as lembranças para suportar melhor a insignificância do ego perante aquela impessoal força da natureza indomável.

Dentro deste turbilhão de águas também pupula vida; e como mais um mistério da natureza, há uma fronteira de bidiversidade separando dois ecossistemas: na parte de cima das cascatas há peixes de couro, pele lisa, enquanto na parte de baixo há os peixes de escamas, pode-se até mesmo ver gordos Dourados pulando fora da água com o brilho do sol nas escamas, saltando na espuma das cataratas quando passamos de barco Macuco indo tomar banho sob a cachoeira de 84 metros de altura.

Mais de 100 espécies de peixes povoam estas águas: Corvinas de 55 centímetros e até dois kilos, Cascudos de 50 centímetros e quatro kilogramas que parecem peixes pré-históricos, recobertos de uma casca dura e negra, empoleirados nos galhos submersos pastando algas e limo, parecendo pássaros submarinos subindo pelos galhos e raízes; Armados que chegam a ter um metro e pesar oito kilos, com uma pele de placas amareladas-marrom, com barbatanas-escudos que parecem asas de mariposa e que protegem o corpo de couro grosso e cabeça de uma placa óssea, Mapará de couro com tons azuis metalizados com 45 centímetros e um kilo; Dourado que aos 25 anos de idade chega a 1,20 metro de extenção e 30 kilos de peso (a mais antiga referência ao Dourado é o registro feito por Cabeza de Vaca) o Dourado velho, sábio, manhoso, seria um equivalente ao Salmão da Sabedoria dos Druidas Celtas; além de Pintado, Curimbatá, Pacú, Jaú, Mandí e infinitos outros que fazem delirar os pescadores e psicultores. Estas são somente algumas das surpresas das águas do Iguaçu.

A Biodiversidade deste ecossistema apaixonante nunca cessa de surpreender o visitante, e eu saí de lá com a certeza que vou voltar muitas vezes ainda a este lugar mágico onde a natureza parece intocada pela civilização suicida humana.

Bibliografia:

VEGA, Santiago G. de la. IGUAZU: las leyes de la selva. Buenos Aires: Contato Silvestre ediciones, 1999.

texto retirado do livro CALAZANS "Ecologia e Biomidiologia" Plèiade Editorial 2002

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