A ILHA DAS PALMAS do CLUBE DE PESCA DE SANTOS - Flavio Calazans

A ILHA DAS PALMAS é parte da História de Santos e da História do Brasil, pertencendo à agremiação do CLUBE DE PESCA DE SANTOS, localizada na entrada da baia de Santos, (Longitude 46o 21m. Oeste e Latitude 24o Sul, aproximadamente).

Para mim, a Ilha entrou em minha história pessoal em 1974, quando meu pai, Mário de Barros Calazans, entrou de sócio; Mário já pescava com seu amigo Paulo Ramalho como convidado dele por muitos anos antes.

Então, desde 1974 a Ilha está sempre presente no meu imaginário, como um lugar de brincadeiras, de ficar nadando, relaxar e aproveitar a vida, o “Doce nada fazer” de ir ficando de papo para o ar desfrutando o vôo das gaivotas e vendo tartarugas marinhas, golfinhos, baleias, raias jamantas e navios de carga passando entre linhas de pescadores e redes de camaroeiros, um cenário tão santista que povoa minhas memórias onde quer que eu esteja.


"Encontrei a Felicidade, é uma alquimia de Mar e Sol." Arthur Rimbaud - ILHA DAS PALMAS - Longitude: 46W20 Latitude: 23S57 Fuso: 3

Dia 18 de novembro de 2001, Domingo ensolarado, foi inaugurada uma plataforma de pesca, uma passarela no profundo poço rochoso entre a Ilha das Palmas e a Ilha de Santo Amaro (Guarujá), um local de abismos escuros e cavernas que abrigam os peixes de alto mar; e a agremiação de associados decidiu prestar uma homenagem ao meu pai, batizando o local com seu nome, o pesqueiro “Recanto Mário de Barros Calazans” (noticiado no ILHA NOSSA, jornal do Clube de Pesca de Santos, outubro/novembro de 2001, número 9 página 4.).

Mário estava tão sensibilizado e tomado de tamanha emoção, comovido, que pediu-me para fazer o discurso de agradecimento em seu lugar, destacando o quanto ele considera a Ilha como nossa segunda casa, um Lar onde encontramos famílias tradicionais santistas, amigas por três ou mais gerações, um local de prazeres e descanso, de bons momentos, para mim um ponto de encontro de amigos, onde levo convidados, onde namoro, leio poesia e filosofia, e onde passo o dia nadando sem sentir o correr das horas.

Este momento de comoção inspirou-me a escrever este ensaio, um apanhado da teia emaranhada de sentimentos e recordações que trago sempre comigo deste mágico “lugar de poder” pelo qual minha mãe Baby, meu pai, minha namorada e meus amigos temos tamanho carinho e apreço.

Há toda uma “História Oral” registrando as lendas e narrativas míticas das origens da Ilha das Palmas, contos e “causos” que ouvi tantas vezes, diversas versões diferentes e misteriosas dos “Tempos de Antes” que cada sócio antigo gosta de contar do seu jeitinho peculiar, sobrepondo um incontável plural de narrativas eu construí meu mínimo denominador comum, a minha versão da história deste paraíso que é a nossa “Ilha da Fantasia”.

No livro de Geordetti, “Lembranças de São Paulo: o litoral paulista nos cartões-postais e álbuns de lembranças”, Solaris Edições Culturais, São Paulo, 2001, página 196, há uma imagem em cartão postal da Ilha das Palmas, já com este nome, datado de 26 de setembro de 1896, talvez este seja o registro iconográfico, a imagem mais antiga da Ilha das Palmas, no qual percebe-se um atracadouro e duas ou três edificações, provando que a ilha já era habitada, ...fico curioso de saber quem eram e o que faziam estes primeiros residentes...surpreendo-me imaginando a simplicidade caiçara de suas vidas, romanceando histórias e contos, brotando uma literatura minha de prosa e poesia... para mim, a ilha inspira a tantos sonhos, e sei que tem o mesmo efeito em outros tantos associados...estar aqui floresce arte sempre, transpira arte como uma flor transborda espontaneamente sua fragrância e perfume, deste prazer de viver.

Alguns dos nossos anciãos contam que havia um grupo de amigos que reunia-se para pescar aos sábados no aprazível recanto “Sitio São Jorge” em Guarujá, Ilha de Santo Amaro de onde desciam para pescar até as pedras perto da Ilha das Palmas, desligando-se das atribulações e afazeres do Porto, dos Despachos Aduaneiros, Escritórios de Advocacia, do agitado trabalho em Santos.

Deste antigo grupo misterioso surgiu a origem, o gênesis, a semente da idéia de constituir um Clube de Pescadores; e o grupo cresceu pelas décadas, até que um dia, no primeiro dia de fevereiro de 1934 foi constituído o “Clube de Pesca de Santos”, instalado às margens do rio casqueiro (onde os índios acumulavam cascas de cocos vazias após beber a água de coco e comer a carne branca adocicada, casqueiro quer dizer monte de cascas, disseram-me), e sua sede era um rústico barracão de madeira, o “Posto UM”, e os sócios pioneiros elegeram Sebastião Arantes como o primeiro Presidente.

Já em 28 de janeiro de 1935 Sebastião assinou o contrato de arrendamento da ILHA DAS PALMAS pelo prazo de três anos.

A Ilha pertencia a uma empresa Alemã, com sede em Hamburgo, e era a época das vésperas da Segunda Guerra Mundial, o clima que levaria ao governo Nazista de Hitler, e a ilha era um posto privilegiado para receber oficiais da marinha germânica vindos dos navios (alguns sonham em submarinos com muitíssima pouca probabilidade -e sem interesse estratégico- de virem até aqui, apesar dos USA afirmarem que submarinos alemães afundaram com torpedos navios em nossa costa, tão fantasioso quanto o Capitão Nemo em seu submarino Nautilus por “20 mil léguas submarinas” no livro de Júlio Verne) antes de passar pela alfândega, quando ficavam ao largo esperando sua vez de atracar no Porto de Santos.

A Empresa Alemã teria concedido procuração à empresa inglesa “Theodor Wille & Cia Ltda.“ para intermediar as negociações com os brasileiros santistas; e a mensalidade do aluguel era de 50 mil réis.

O contrato apresentava a possibilidade de renovação após três anos, mas enquanto faziam obras e benfeitorias na ilha, em primeiro de março de 1937 (dez meses antes do prazo estipulado) o Clube firmou novo contrato com os Alemães, desta vez por cinco anos, pela mesma mensalidade, e uma nova cláusula estipulava o Clube de Pesca como comprador preferencial da Ilha em caso de venda da propriedade.

Este contrato sequer competou dois dos cinco anos e o Presidente Norberto Paiva Magalhães assinou a escritura de compromisso de compra da Ilha das Palmas e do sítio Canhema no morro em frente, tudo pela quantia de MIL libras esterlinas, a serem pagas em cada mês de janeiro, 100 libras anuais com juros de 6% sobre o total.

O Clube de Pesca saldou sua dívida antecipadamente SEIS anos antes do prazo estipulado, graças à “Campanha da Libra”, criada por Leônidas Carvalho aproveitando a baixa da moeda no mercado internacional devido à Segunda Guerra Mundial, que recolheu entre os associados a quantia precisa para saldar a dívida e consumar a compra.

Deste modo, em 21 de agosto de 1941, o Presidente Prudêncio Nunes assina a escritura definitiva de incorporação da Ilha das Palmas ao patrimônio do Clube de Pesca de Santos.

Desde então, todo fim de semana por décadas os pioneiros passaram a construir o Clube, eram os lendários sócios “Carregadores de Pedras” que com as próprias mãos ergueram pontes, atracadouros, muros, passarelas e edifícios acrescidos aos bangalôs anteriores, talvez construídos pelos germânicos, talvez de antes deles de um tempo sem registros, uma memória quase perdida, que existe na forma de narrativa oral em diversas versões, sem uma rigorosa história escrita, ou de difícil levantamento em cartórios de notas e em literatura oral de pescadores, e quem pode confiar totalmente em histórias de pescadores? Você confiaria plenamente?

Dizem que depois veio a “Campanha da água” idealizada por Brasilino Vaz de Lima, criando as ligações por canos trazendo àgua encanada dos mananciais da fonte mineral na pare leste da Ilha, e a “Campanha da Luz” de Ernesto de Paiva Azevedo, ampliando o conjunto de geradores de luz elétrica e iluminação para pesca noturna.

Surgem Campeonatos de Pesca, Torneios de Pesca Infantil, Competições do Maior Peixe, Da maior quantidade em um dia, Pesca Feminina, e diversas tradições existentes até hoje, como festas de São Pedro (O apóstolo pescador) que é a maior festa com mais de três mil pessoas presentes, entre sócios e convidados, Páscoa, Dia das Mães, Semana das Crianças, Reveillon, Ceia de Natal, Batismo de Novos Sócios, Festa dos Jubilados (anciãos que não pagam mensalidade), Jantares Dançantes, Confraternizações, Festas Temáticas (Mil e uma Noites, Carnaval de Veneza, Noite Alemã, etc) e diversas festas familiares, como só podia ser em um clube familiar como o nosso onde sucedem-se as gerações, de avô para neto e bisneto sempre nas melhores famílias santistas.

E além de piscinas de água doce, toboágua, saunas, playground infantil, restaurantes com capacidade para centenas de refeições, duas pistas de dança, campo de futebol, mirantes diversos, salas de jogos, rampa de embarcações, armários de diversos tamanhos, jardins floridos, dois flutuantes boiando no mar, área de piqueniques, ambulatório médico, antena parabólica de televisão, sistema de som ambiente na prainha e restaurante central, churrasqueira, frigorífico industrial e diversas outras áreas de lazer, todas interligadas por rampas de acesso fácil para carrinhos de bebês e para senhores com dificuldades de locomoção.

Na gestão de Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro e professor universitário, foi feito em 2001 o “Levantamento Planialtimétrico”, uma Planta Topográfica com a indicação medida de altitude do nível do mar cada ponto de interesse da Ilha, em disquete e papel, para reformas e obras de infraestrutura física.

Texto retirado do livro CALAZANS "Ecologia e Biomidiologia" Plèiade Editorial 2002

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