O HOMEM AQUÁTICO Flavio Calazans

Em toda a Terra ( este planeta azul que é dois terços submerso nas águas) encontram-se os Povos do Mar, nações visceralmente ligadas aos oceanos,; desde os mercadores Fenícios que fundaram Lisboa até Portugal, em cuja Lusofonia escrevo e você lê, como dizia o Poeta Fernando Pessoa : “Minha Pátria é a língua portuguesa”.

Não me recordo de ter aprendido a nadar, nascí em Santos, ao lado de são Vicente, primeira vila portuguesa do Brasil, e dizem que aprendí a nadar sozinho, engatinhando na areia da praia até as ondas erguerem-me, antes mesmo de aprender a nadar; isto é comum nas cidades do litoral, e hoje pratico mergulho livre (apinéia) e estou sempre nadando nas águas do Atlântico.

Os biólogos costumam dizer que a vida neste planeta começou no mar, evoluiu para anfíbios, répteis e mamíferos terrestres; porém, alguns destes mamíferos voltaram à mãe-mar e adaptaram seus corpos às águas salgadas, como leões-marinhos, focas, baleias e golfinhos ( mamíferos aquáticos).

Sempre perguntei-me sobre estes animais, quais as razões que me fariam ter tanta simpatia com a descontração, liberdade e alegria de viver deles? Seria por gostar tanto de esportes marinhos?

Um dia descobrí as teorias do Biólogo Marinho Sir Alister Hardy , lançadas em 1930.

Hardy percebeu que temos um estranho conjunto de diferenças dos macacos e outros primatas, a começar pela gordura subcutânea, uma camada de gordura líquida que temos sob a pele, e que só baleias e golfinhos tem, que mantém a temperatura dos órgãos internos durante o mergulho.

Ora, se não tivemos uma etapa da evolução no mar após termos sangue quente de mamíferos, por que razão desenvolvemos esta gordura?

Sir Hardy começou a observar esta idéia e acumular mais informações sobre nossa anatomia, e descobriu que nossos pêlos do corpo espalham-se em uma organização hidrodinâmica, como se feitos para nadar, o feto já os tem assim ( e ele não desenvolve velocidades altas nadando no fluido aminiótico do útero!) enquanto os chimpanzés e gorilas tem seus pêlos retos.

Somente em 1960 Hardy sente-se seguro a ponto de escrever sua teoria, segundo a qual o homem pré-histórico da costa da áfrica adaptou-se a pescar sua comida e fugir dos trigres dente-de-sabre, tornando-se mergulhador e desajeitado na terra.

Eis somente algums dos argumentos do professor de zoologia e biólogo marinho sir Alister Hardy desenvolvidas em pesquisas de anatomia comparada de 1930 a 1960:

- Temos a coluna dorsal mais flexível que a dos outros primatas, esta espinha permite agilidade na água e parece-se muito com a espinha das lontras e focas;

-Choramos lágrimas salgadas em abundância, como os leões marinhos, os outros primatas não conseguem mais que lacrimejar umidade.

-Nosso labirinto auricular nos dá mais equilíbrio que os primatas, semelhante ao equilíbrio de golfinhos nadando ( mas não tivemos tempo evolutivo de desenvolver o sonar deles, paramos no meio da adaptação);

-Perdemos os pêlos do corpo, o que facilita nadar, temos peles próximas da baleia e do golfinho;

-Entre os dedos das mãos e pés temos uma membrana palmar, ao contrário dos primatas, e os ossos dos nossos pés desenham barbatanas com um polegar sem o poder preênsil dos pés dos gorilas e chimpanzés, perdemos a habilidade de escalar árvores e nos pendurar por um pé só como eles, mas ganhamos empuxo para nadar como as focas;

-Enquantos os primatas nadam pouco ou fogem da água, nós fazemos maratonas de natação no mar de 170 horas, permanecemos imersos 72 horas sem danos à pele, nadamos sem parar 470 kilómetros, mergulhamos com fôlego ( Apinéia) a uma profundidade de 80 metros, prendemos a respiração por 3 minutos e meio (o controle da respiração ajuda a articular a fala verbal de nossos idiomas hoje);

-Ao contrário dos primatas, nossos músculos do rosto tem o “reflexo de mergulho” como as focas e Leões-marinhos, ao mergulhar a face numa bacia d’água, a musculatura da boca, nariz e olhos aperta-se impedindo de respirar água, e ao mesmo tempo deste reflexo involuntário, o coração diminui os batimentos e o sangue é desviado para os órgãos vitais protegendo-os da privação demorada de respiração ( tudo ocorre por instinto !) , se mergulhar qualquer primata na água, além de não ter o reflexo e respirar água, o coração acelera de medo e afogam-se mais depressa;

-Bebês humanos recém-nascidos nadam sem medo e sem aprender;

-Nosso nariz é hidrodinâmico, cartilagem e músculos protegem a fossa nasal da água se nadar em velocidade, nenhum outro primata tem nariz hidrodunâmico;

-Relaxamos imersos em água, banhos quentes, e os 17 milhões de Paulistanos ( da capital do estado de São Paulo) ao menor feriado ou férias fogem para Santos para ver o mar, e isto ocorre em todos os países onde há cidades estressantes perto de estâncias balneárias; -Bebemos muito mais água que os outros primatas, e suamos mais que qualquer outro mamífero, produzimos fezes húmidas, urinamos muito e diluída em água, no calor falecemos muito rapidamente, estas características são opostas às dos animais adaptados às planícies que caçávamos na pré-história, uma desidratação de meros 10% mata os humanos, enquanto um cão ou gato só morre acima de 20%;

-Nosso suor abundante desperdiça também muito sal, o que seria fatal na planície com água doce e poucos sais, mas excelente para um mamífero cuja dieta de mariscos salgados e água do mar exige eliminar o excedente ( este suor é que faz cães lamberem nossas mãos , assimilando o precioso sal que desperdiçamos!).

-Em conclusão, além do corpo com anatomia hidrodinâmica, desperdiçamos água e sais minerais de forma fatal para qualquer mamífero terrestre, e típica de mamíferos aquáticos.

Este conjunto de evidências e provas científicas é impressionante, e hoje há arqueólogos e paleontólos pesquisando nas montanhas Danakil, na África do sul, em busca de fósseis do primeiro dos Povos do Mar; após algumas Eras Geológicas nadando, teríamos partido para caçar nas planícies ( talvez fugindo da água fria da Era Glacial.

Os primatas que abriam nozes pendurados pelos polegares dos pés nos galhos das árvores adaptam-se a abrir mariscos e ostras com facilidade...com este excesso de proteínas a vida fica mais fácil, a espinha esgue-se para nadar, liberando as mãos e criando o “Homo Eretus”, desenvolvendo no cérebro o neo-córtex ( que só humanos, baleias e golfinhos tem !) , e aprendendo a controlar a respiração, aprendem a falar linguagem articulada fonética e criam cultura, transmitem experiências, criam civilizações, metalurgia, anzóis, redes de pesca, tecnologia, galeras fenícias, caravelas portuguesas, sextante e astrolábio, cartografia, submarinos nucleares, arquitetura de cidades submarinas ( Jacques Rougerie) .

Um dos preços que pagamos voltando para a terra seca com estas peles finas é que, das 193 espécies de primatas conhecidos, somos a única que tem pulgas, e uma sub-espécie desenvolvida recentemente, provavelmente mutação das pulgas de nossos cães e gatos co-habitando em nossas cavernas quando saímos do mar.

Quando conhecí esta teoria passei a sentir-me muito mais em contato comigo mesmo ao nadar e ao assistir um golfinho escorregando sob a pele das ondas com a velocidade de um torpedo !

É um prazer nadar e sentir-me herdeiro dos Povos do Mar, escrevendo em português.

texto retirado do livro CALAZANS "Ecologia e Biomidiologia" Plèiade Editorial 2002

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