Quadrinhos podem ser instrumento de Liberdade?





Quando a gente é pequeno as Histórias em Quadrinhos (HQ) são um passatempo divertido, e sempre ouvimos a gente grande dizer como os livros são sérios, o quanto se pode aprender neles, as lições de vida dos escritores, o pensamento dos filósofos, cientistas, poetas e todas aquelas coisas de intelectuais chatíssimos.



Então descobrimos bibliotecas com milhões destes livros grossos e respeitáveis que são a base e a história de toda a produção intelectual humana.

Daí passamos a associar o que antes era o prazer infantil em aprender e descobrir o mundo com o esforço e sofrimento de ler os clássicos da literatura, que falam na linguagem pomposa de suas épocas... e assim vamos crescendo e aceitando que só se aprende sem prazer.


Porém, ao mesmo tempo nos divertimos indo ao cinema e assistindo televisão, ou ouvindo música, estas coisas que são meros passatempos inofensivos, com as quais parece que não se aprende nada, só se mata horas vagas e ociosas.

Contudo, quando a gente ouve música em casa e toca o disco ou CD ''Cabeça Dinossauro'' dos Titãs, as letras das músicas ensinam, passam uma mensagem libertária de uma forma gostosa e divertida, meio que despercebidamente entra a ideologia anarquista, subliminarmente vamos rindo das letras ''Família'', ''Igreja'', ''Polícia'' e ''Estado Violência'', que fazem a crítica das instituições que oprimem a liberdade do indivíduo.

Isto pode parecer contraditório, mas é verdade mesmo, a gente pode aprender coisas novas, descobrir os pontos de vista, críticas e sugestões dos autores, e estas aparentemente inofensivas letras de música trazem mensagens tão poderosas quanto os poemas de Castro Alves (como Navio Negreiro) que pregavam a abolição da escravatura dos negros, um poema libertário !



Do mesmo modo, um conto como O Banqueiro Anarquista, do poeta português Fernando Pessoa, também vai nos ensinando o ideal filosófico libertário sob um formato gostoso, pois ele é um breve conto muito bem escrito, daqueles que prendem tanto a atenção que a gente não consegue parar de ler.


Ora, então será que o cinema também poderia ser um veículo de idéias libertárias? Lógico que sim!

Veja os filmes de arte, aqueles nos quais o nome do diretor é mais importante do que as atrizes e astros. Nem é preciso assistir Metrópolis do expressionista alemão Fritz Lang pra perceber que até hoje há cineastas de arte com mensagens de liberdade; assim também como Robocop, do europeu Paul Verhoeven, que em todos os filmes mostra o humano que se des-aliena reconquistando sua humanidade, autonomia e autogestão (até mesmo em Showgirls a moça no final reconquista a liberdade encontrando sí própria, da mesma forma como o Robocop, quando diz seu nome - Murphy).

Até mesmo a televisão pode, emocionando, também ensinar: veja a TV Cultura com seus programas educativos infantis, que ganham prêmios internacionais e as crianças adoram!




E estes filmes todos do cinema passam na televisão, ela é uma mídia, o conteúdo vai servir aos objetivos de quem manda nela (daí nossa resposta com as TVs e rádios livres que eles chamam de piratas, quando quem tá atrás do ouro são eles mesmos!).

Não esqueça que um bom conto (como o do Pessoa, acima) pode virar peça de teatro e depois ser filmado, ganhar festival de curta-metragens e ser exibido na TV Cultura ou TVs a cabo, ser lançado em vídeo, virar fotonovela impressa em revista pelas bancas de jornal etc., tocando muitos cidadãos que nunca entrariam naquela biblioteca chata pra ler estes livros grossos, pesados e poeirentos.

Todas as mídias são só veículos de idéias (idéias autoritárias repressoras alienantes ou idéias libertárias questionadoras) e, quanto mais formatos a mensagem tiver, mais gente diferente vai alcançar. Isto sim é que é a verdadeira Multimídia, múltiplas mídias tocando gente diferente em lugares e horas diferentes!

Então, por que as Histórias em Quadrinhos também não podem veicular mensagens libertárias?

Tanto podem que há centenas de autores de HQ fazendo isto em muitos países.



Não pense que só existe o Tio Patinhas fazendo propaganda capitalista e os super-heróis como o Capitão América e grupos de mutantes uniformizados como militares e disciplinados em ações violentas, resolvendo os problemas com agressões e espancamentos, tropa de choque policial a serviço da ordem vigente e da manutenção do status quo (como os X-Men, que ajudam seus dominadores patrões humanos contra o Magneto, que luta pela classe-raça mutante, e são o símbolo da alienação no final dos anos 90).


Autores como o argentino Quino, com sua contestadora personagem Mafalda, ou o roteirista inglês Alan Moore, que prega a proteção do meio-ambiente e faz propaganda ecológica subliminarmente nos Comics da DC do personagem Monstro do Pântano, até mesmo o americano Jim Starlin, que com o personagem Warlock ensina que ninguém precisa ter líderes, heróis ou governo.

Um dos mais libertários é o francês Caza, que na revista Métal Hurlant-Heavy Metal fez HQ em séries, nas quais ele próprio era o personagem enfrentando o pesadelo urbano e a mediocridade de um vizinho, Marcel, que encarna o pseudo-cidadão alienado e manipulado, consumista, acomodado.


Caza é um destes grandes artistas da HQ que nos mostra o potencial libertário que os aparentemente inofensivos e divertidos quadrinhos podem ter.


Do mesmo modo que Raul Seixas nos ensina tanto em suas músicas, Caza nos mostra sua visão de mundo questionadora e libertária nos quadrinhos, e isto de forma gostosa e prazeirosa, tanto quanto um bom filme de arte, ou um curta metragem como Ilha das Flores, de Jorge Furtado.

Foi assim que eu escolhi os quadrinhos; sua força maior está mesmo neste preconceito de ninguém levá-los a sério. Isto me permite passar minha mensagem de liberdade, minhas críticas e gritos de alerta sobre o futuro (sou membro do Greenpeace, e tenho a mesma posição do Caza de ser contra as cidades grandes e desumanas).

Desde 1979 edito em cooperativa autogestionada a revista alternativa Barata, onde veiculo HQ libertária e onde desenvolvo histórias isoladas e uma série com personagens fixas como o Poeta dos Paradoxos, sua companheira Tyli-Tyli e outros.



Roteiros europeus com um traço influenciado por artistas underground americanos, como Richard Corben e Vaughn Bodé, mesclado ao mangá japonês, na busca de um estilo próprio e pessoal de contar minhas visões de mundo libertárias.

Estas Hqs circulam no movimento alternativo, pelo correio e vendidas em livrarias especializadas de quadrinhos Cult, em fanzines de vários países.

Embora aparentemente marginais, em um método inspirado nos COMIX da Contracultura dos anos 60 (como a auto-editada revista underground Zap Comix, de Robert Crumb), que parece uma guerrilha contornando máfias e cartéis de grandes editoras e distribuidoras, minha obra emprega sutis metáforas poéticas -por vezes surrealistas- que evitam aquele ranço engajado de doutrinação que faz parecer panfleto de propaganda.





Como resultado desta experiência acumulada por quase trinta anos de produção (começei a desenhar aos dois anos, digo, a expressar-me na forma de quadrinhos), consegui publicar na Editora Abril (Revista Aventura e Ficção número 19) e no álbum Brasilian Heavy Metal, além de outras como a Porrada Special, onde saiu minha utopia futurística libertária, a Guerra dos Golfinhos, álbum em capítulos sobre uma Confederação submarina com cidades cujos nomes são Gandhi, Malatesta, etc.

Desta forma, a mesma HQ publicada em um fanzine punk sai na Editora Abril e é lida por 160 mil jovens que recebem esta semente libertária subliminar, bem diferente do circuito fechado meio que vicioso de anarquistas, que previamente estão predispostos a favor da mensagem-conteúdo libertário.



Uma mensagem pode ser detalhada num álbum de 60 páginas, ou numa tira de jornal de dois ou três quadrinhos (como o personagem Tatuí, que por vários anos foi publicado no jornal Correio de Bertioga e em cujas tiras defendi a luta pela autonomia e elevação a município do distrito de Bertioga, cidade do litoral de São Paulo), como também numa HQ de duas a quatro páginas.

Por quatro anos estive envolvido na produção e pesquisa de um álbum modular, quase trinta HQs contando em episódios de duas páginas a história das idéias libertárias, publicadas em incontáveis fanzines e depois reunidas no álbum que teve até segunda edição: Guerra das Idéias.

Também realizei HQ de vanguarda, daquelas bem experimentais, como Absurdo - Quadrinhos sob Hipnose, um álbum independente onde eu e a prima fanzineira Loira contamos, sob o efeito de transe induzido por métodos hipnóticos, as aventuras da Loira que cavalga nua um ornitorrinco e vai demolindo uma a uma as instituições opressoras e o monopólio da violência do Estado, como a Universidade, Bancos, Empresas, Poder Judiciário,etc.



Isto não impediu minha carreira acadêmica, como a tese de Doutorado na Escola de Comunicação e Artes da USP e o livro em terceira edição pela editora Summus, Propaganda Subliminar Multimídia, onde denuncio a manipulação do nosso inconsciente pela Mídia e defendo a contracomunicação dos Zines e Rádios e TVs livres; muito pelo contrário, ajudou-me a ser coordenador do grupo de pesquisadores sobre quadrinhos no Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM) entre outras coisas.

Este depoimento é mais do que tudo uma provocação e incentivo para você que está lendo, para que procure pelos autores que cito, veja se tenho ou não razão e, acima de tudo, tome coragem para ser criativo e procurar seu próprio caminho pessoal.



Todos temos o direito de procurar ser felizes !

Comentários

  1. eU FUI PUBLICADO NA REVISTA bouche du monde. A Bouche ganhou o premio de melhor revista no FIBDA (festival de quadrinhos da Argélia, o maior festival de quadrinhos da Africa
    e ela ja foi selecionada 4° vezes em Angoulême um dos maiores do mundo.

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