Personagens Femininas e como as criar FLAVIO CALAZANS Dragon Magazine. Nº 14. São Paulo: Editora Abril Jovem S.A., junho de 1996

"MULHERES VERDADEIRAS - Flavio Calazans

Meu processo de criação parte do argumento. A temática ou assunto que quero desenvolver é que pedem as personagens, e eu as crio para ilustrar a tese proposta na narrativa.

Os homens são sempre tipos meio planos.

Caso em uma história eu deseje mostrar a massificação e a desumanização urbana, vou criar personagens cuja psicossomática (mente e corpo) reflita isso: que sejam frios, distantes, apáticos e cinzentos como formigas (por exemplo, o homo burocraticus Zé da Silva, em Falta de Força, publicada na revista Aventura e Ficção 19).

Se quero mostrar como o poder corrompe, vou retratar um governante maldoso, traiçoeiro, esquivo, olhando de esguelha como um rato no esgoto, adaptado a este ambiente maquiavélico.

Por outro lado, um jovem criativo, cheio de vida e esperança, só pode ter um corpo ágil e saudável, gestos amplos e um sorriso no rosto (o Poeta dos Paradoxos, lançado em livreto homônimo, editado pelo autor).

Como gosto de personagens femininas, estas é que são trabalhadas, complexas, contraditórias, parecendo mulheres reais e verdadeiras nos mínimos detalhes, gestos, olhares, modo de vestir e de falar (gírias e expressões) e até o corte de cabelo condizente com a personalidade (intelectuais: cabelos curtos; sedutoras: cabelos longos e cacheados).

É importante que as decisões das personagens femininas tenham motivação, o que vem do passado pessoal de cada uma: se nasceu pobre ou rica, se estudou até a faculdade, as músicas que ouvem os livros que leem, os filmes que assistem, passatempos preferidos, etc.

Quanto mais detalhes realistas tenho, mais elas vivem em meu inconsciente, como se fossem mulheres de verdade que conheci (e que costumam inspirar minhas criações), com seus medos e traumas, paixões e taras, ódios e vergonhas – isso tudo é incorporado automaticamente às suas falas e atos no decorrer das histórias.

Sei que uma personagem está pronta, madura, quando ela toma o controle e “fala” algo que eu não previa, desviando a narrativa, saindo do meu pretexto inicial para impor o próprio subtexto, a própria visão, a própria mensagem e não a minha.

Nesse momento, sinto que um lado feminino meu (Anima) está se manifestando na personagem. É aí que vou aprender mais sobre mim mesmo e o leitor/leitora vai se identificar e projetar a si mesmo nesses conteúdos inconscientes-subliminares.

Flavio Mario de Alcântara Calazans é doutor em Comunicação, professor, editor do fanzine Barata e autor do livro Propaganda Subliminar Multimídia."

Texto publicado na coluna Persona (página 1) da revista Dragon Magazine. Nº 14. São Paulo: Editora Abril Jovem S.A., junho de 1996.

"Outra estréia na DRAGON- Nesta página, autores e intérpretes falam sobre seus processos pessoais de criação e desenvolvimento de personagens"

Comentários

  1. "Personagem feminina criada por homem não tem lugar de fala" -

    Se assim o fosse, óh minha feminazi do PSOL, como seria a sua explicação para: - "MADAME BOVARY C'EST MOI" ?

    "No dia 7 de fevereiro de 1857, Gustave Flaubert foi absolvido da acusação contra seu livro Madame Bovary, considerado imoral pelas autoridades francesas.
    Dias antes, Flaubert proferira a célebre resposta à pergunta sobre quem seria Madame Bovary: “Emma Bovary c'est moi” (Emma Bovary sou eu)."

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  2. Perfeito, meu caro! Também gosto de personagens femininas fortes. Ótimo texto, como sempre!

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