Os Direitos dos outros- parte Um
1 - introdução
Do mesmo modo que só podemos nos autoconhecer através de comparações com os outros, somente podemos conhecer verdadeira e profundamente a essência de nossa sociedade e nosso direito por analogia com outras formas de cultura.
A antropologia cultural prova que a filosofia grega foi plagiada e distorcida pelos romanos, e que a ética grega gerou muito do direito romano - que, com deturpações, originou (com algumas instituições germânicas, como o júri dos pares) o decadente direito ibérico e o que chamamos "direito brasileiro" (ficção jurídica e realidade processual).
Outros povos, como ingleses e norte-americanos, criaram um direito consuetudinário (modelo cíclico que torna obsoleto o piramidal).
2 - talmud
O Talmud (em hebraico, estado) é um composto onde não há a divisão entre literatura, filosofia, teologia e direito.
Este sistema muito influenciou Portugal e Brasil, pois até os dias da semana, aos quais outros povos dão nomes de deuses, chamamos como os israelitas: primeiro dia, segundo dia... sábado, etc..
Por volta de 100 a.C., surge a Mishná, as academias babilônicas. Em 200 d.C., são reinterpretadas e surge a Guemara. Ambas formam o Talmud, cujas leis visam a justiça e a paz perpétua (por Kant!) e não a manutenção de status de uma classe.
A lei (Din) é a lógica do pensamento de Deus. A hermenêutica rabínica é considerada patrimônio da humanidade, um modelo re-criativo de interpretação. Spinoza trouxe um avanço ao demonstrar que Deus não é um juiz nem legislador, e que temos a liberdade de filosofar.
No conflito de duas leis contraditórias, surge o Gezerah (cerca ao redor da lei), onde uma é suspensa. Na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro há um princípio do Direito Talmúdico: o costume derroga a lei.
Não havia órgãos policiais repressores. O povo, livre de autoritarismos, julgava a apedrejava o criminoso-pecador. Nos casos de assassinato premeditado, o goel damin (parente próximo) executava a vandetta. Os processos duravam um ou dois dias, e, como todos devem conhecer a lei, presumia-se mentiroso quem trazia advogado.
Este texto é Czerrá Shavá (analogia), onde buscamos entender comparando. Sejamos Gamir (erudito) e Savir (lógico)!
Tze ulmad! ("Vá e estude" - lema talmúdico).
3 - inca
Outro sistema de convívio consuetudinário baseado no vox populi, vox dei - lex non scripta.
Os incas formavam uma sociedade complexa e estável, com raros crimes, que preferia prevenir a punir. Não havia pobres ou ladrões. Criminosos incorrigíveis eram mutilados e sustentados pelo Estado mutilador. Conheciam atenuantes, mas não tinham advogados nem apelações. Dois terços das colheitas eram pagos como impostos, distribuídos pelo Inca pelas províncias com fome. Havia equilíbrio entre o que o povo dava e recebia da administração.
O processo durava no máximo cinco dias. Semelhantes aos sumerianos (Código Ur-Namud) e babilônios (Hamurabi), os incas conheciam mais o direito penal. O Inca era como um faraó, e ofensas feitas a ele eram punidas com a morte.
Pizarro, em 1530 d.C., capturou o Inca Atahuallpa à traição, exigindo ouro em resgate e estrangulando-o. Fez-se, então, o Direito como entendem os ocidentais.
4 - bushidô
Os princípios de direito consuetudinário dos samurais moldou a mentalidade japonesa. Até a teoria "Z" de Administração tem elementos do Caminho (Dô) do Guerreiro (Bushi).
O Bushidô é uma coletânea de condutas, algumas escritas (códigos, como Shikimoku, Buke Shohatto, etc.). Eis alguns princípios: giri - senso de dever e gratidão; bushi no nasake - compaixão; bushi no ichigon - palavra de honra.
A mentira é uma desonra. A vergonha (haji) está para o homem nipônico como o pecado para o cristão. O japonês morre de vergonha! É o Harakiri ou Seppuku (abrir a barriga para mostrar a alma).
O Bushidô sustenta-se no tripé: chi (sabedoria), jin (benevolência) e yu (coragem). O autocontrole é suportar dor e tristeza para não tirar a serenidade e equilíbrio dos outros.
O chefe de família julga os familiares e servos, mas nunca pode bater em público. Delitos graves do samurai são punidos com exílio, mas não desterro. O herdeiro é que assume as posses.
Os processos civis eram julgados no Monchujo, e os criminais no Samurai-Dokoro. O juiz chamava-se Bugyô.
5 - considerações finais
Judeus, incas e samurais: três direitos baseados no costume!
Qualquer ciência tira suas leis da observação dos fatos, e estas leis podem ser revogadas (por Galileu!). Os códigos e leis dogmáticos e perfeitos, vindos de cima para baixo, não fazem parte da cultura, são o delírio de poder dos governantes, ignorados pelo povo livre (Veja-se a espontânea desobediência civil no caso do cinto de segurança, ignorado pelos motoristas!).
Destes exemplos, percebemos a liberdade de interpretação talmúdica, a honestidade e perfeição da administração inca, e a verdade e honra samurais. Exemplos consuetudinários do direito futuro, do modelo governamental de auto-gestão baseado na fraternidade e buscando a felicidade de todos, satisfação das necessidades, anarquia.
A anarquia é o último tema da Teoria Geral do Estado e Ciência Política; quem a ataca, quer impôr sua vontade, sonha com o poder, teme que sejamos livres e conscientes.
Estudemos a anarquia pelas palavras dos seus próprios teóricos!
bibliografia
ASSOCIAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CULTURA JUDAICA, SP. Curso de Introdução ao
direito talmúdico. USP, maio, 1984.
BURLAND, C. A.. Os incas. Tradução de Maria Luísa Martins. São Paulo, Editora
Melhoramentos, 1985.
CERVO, Amado Luiz. Contato entre civilizações: a conquista da América a serviço de Deus
e de Sua Majestade (1442 - 1548). São Paulo, Ed. McGraw-Hill, 1975.
GODOI, Roberto & OLMO, Angel. Textos de cronistas de Indias y poemas precolombianos.
Madrid, Ed. Nacional, c1979.
KELER, Theodore M. R. von., comp.. A essência do Talmud. Tradução [de] Paulo Ronai.S.L.P.,
Editora Ediouro, s.d..
MASON, J. Alden. The ancient civilization of Peru. Massachussetts, Murray Printing, 1979.
MEZAN, Renato. "Spinoza e a hermenêutica judaica". In: Herança judaica nº 27, v. 13, 1976.
RENFELD, W. prof. dr.. "O conceito de lei no judaísmo".(Apostila da USP - Departamento de
Línguas Hebraicas - FAFI).
Do mesmo modo que só podemos nos autoconhecer através de comparações com os outros, somente podemos conhecer verdadeira e profundamente a essência de nossa sociedade e nosso direito por analogia com outras formas de cultura.
A antropologia cultural prova que a filosofia grega foi plagiada e distorcida pelos romanos, e que a ética grega gerou muito do direito romano - que, com deturpações, originou (com algumas instituições germânicas, como o júri dos pares) o decadente direito ibérico e o que chamamos "direito brasileiro" (ficção jurídica e realidade processual).
Outros povos, como ingleses e norte-americanos, criaram um direito consuetudinário (modelo cíclico que torna obsoleto o piramidal).
2 - talmud
O Talmud (em hebraico, estado) é um composto onde não há a divisão entre literatura, filosofia, teologia e direito.
Este sistema muito influenciou Portugal e Brasil, pois até os dias da semana, aos quais outros povos dão nomes de deuses, chamamos como os israelitas: primeiro dia, segundo dia... sábado, etc..
Por volta de 100 a.C., surge a Mishná, as academias babilônicas. Em 200 d.C., são reinterpretadas e surge a Guemara. Ambas formam o Talmud, cujas leis visam a justiça e a paz perpétua (por Kant!) e não a manutenção de status de uma classe.
A lei (Din) é a lógica do pensamento de Deus. A hermenêutica rabínica é considerada patrimônio da humanidade, um modelo re-criativo de interpretação. Spinoza trouxe um avanço ao demonstrar que Deus não é um juiz nem legislador, e que temos a liberdade de filosofar.
No conflito de duas leis contraditórias, surge o Gezerah (cerca ao redor da lei), onde uma é suspensa. Na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro há um princípio do Direito Talmúdico: o costume derroga a lei.
Não havia órgãos policiais repressores. O povo, livre de autoritarismos, julgava a apedrejava o criminoso-pecador. Nos casos de assassinato premeditado, o goel damin (parente próximo) executava a vandetta. Os processos duravam um ou dois dias, e, como todos devem conhecer a lei, presumia-se mentiroso quem trazia advogado.
Este texto é Czerrá Shavá (analogia), onde buscamos entender comparando. Sejamos Gamir (erudito) e Savir (lógico)!
Tze ulmad! ("Vá e estude" - lema talmúdico).
3 - inca
Outro sistema de convívio consuetudinário baseado no vox populi, vox dei - lex non scripta.
Os incas formavam uma sociedade complexa e estável, com raros crimes, que preferia prevenir a punir. Não havia pobres ou ladrões. Criminosos incorrigíveis eram mutilados e sustentados pelo Estado mutilador. Conheciam atenuantes, mas não tinham advogados nem apelações. Dois terços das colheitas eram pagos como impostos, distribuídos pelo Inca pelas províncias com fome. Havia equilíbrio entre o que o povo dava e recebia da administração.
O processo durava no máximo cinco dias. Semelhantes aos sumerianos (Código Ur-Namud) e babilônios (Hamurabi), os incas conheciam mais o direito penal. O Inca era como um faraó, e ofensas feitas a ele eram punidas com a morte.
Pizarro, em 1530 d.C., capturou o Inca Atahuallpa à traição, exigindo ouro em resgate e estrangulando-o. Fez-se, então, o Direito como entendem os ocidentais.
4 - bushidô
Os princípios de direito consuetudinário dos samurais moldou a mentalidade japonesa. Até a teoria "Z" de Administração tem elementos do Caminho (Dô) do Guerreiro (Bushi).
O Bushidô é uma coletânea de condutas, algumas escritas (códigos, como Shikimoku, Buke Shohatto, etc.). Eis alguns princípios: giri - senso de dever e gratidão; bushi no nasake - compaixão; bushi no ichigon - palavra de honra.
A mentira é uma desonra. A vergonha (haji) está para o homem nipônico como o pecado para o cristão. O japonês morre de vergonha! É o Harakiri ou Seppuku (abrir a barriga para mostrar a alma).
O Bushidô sustenta-se no tripé: chi (sabedoria), jin (benevolência) e yu (coragem). O autocontrole é suportar dor e tristeza para não tirar a serenidade e equilíbrio dos outros.
O chefe de família julga os familiares e servos, mas nunca pode bater em público. Delitos graves do samurai são punidos com exílio, mas não desterro. O herdeiro é que assume as posses.
Os processos civis eram julgados no Monchujo, e os criminais no Samurai-Dokoro. O juiz chamava-se Bugyô.
5 - considerações finais
Judeus, incas e samurais: três direitos baseados no costume!
Qualquer ciência tira suas leis da observação dos fatos, e estas leis podem ser revogadas (por Galileu!). Os códigos e leis dogmáticos e perfeitos, vindos de cima para baixo, não fazem parte da cultura, são o delírio de poder dos governantes, ignorados pelo povo livre (Veja-se a espontânea desobediência civil no caso do cinto de segurança, ignorado pelos motoristas!).
Destes exemplos, percebemos a liberdade de interpretação talmúdica, a honestidade e perfeição da administração inca, e a verdade e honra samurais. Exemplos consuetudinários do direito futuro, do modelo governamental de auto-gestão baseado na fraternidade e buscando a felicidade de todos, satisfação das necessidades, anarquia.
A anarquia é o último tema da Teoria Geral do Estado e Ciência Política; quem a ataca, quer impôr sua vontade, sonha com o poder, teme que sejamos livres e conscientes.
Estudemos a anarquia pelas palavras dos seus próprios teóricos!
bibliografia
ASSOCIAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CULTURA JUDAICA, SP. Curso de Introdução ao
direito talmúdico. USP, maio, 1984.
BURLAND, C. A.. Os incas. Tradução de Maria Luísa Martins. São Paulo, Editora
Melhoramentos, 1985.
CERVO, Amado Luiz. Contato entre civilizações: a conquista da América a serviço de Deus
e de Sua Majestade (1442 - 1548). São Paulo, Ed. McGraw-Hill, 1975.
GODOI, Roberto & OLMO, Angel. Textos de cronistas de Indias y poemas precolombianos.
Madrid, Ed. Nacional, c1979.
KELER, Theodore M. R. von., comp.. A essência do Talmud. Tradução [de] Paulo Ronai.S.L.P.,
Editora Ediouro, s.d..
MASON, J. Alden. The ancient civilization of Peru. Massachussetts, Murray Printing, 1979.
MEZAN, Renato. "Spinoza e a hermenêutica judaica". In: Herança judaica nº 27, v. 13, 1976.
RENFELD, W. prof. dr.. "O conceito de lei no judaísmo".(Apostila da USP - Departamento de
Línguas Hebraicas - FAFI).
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