Austin Osman SPARE - o artista ocultista expulso por Crowley

Quando começamos a estudar a vida dos artistas plásticos que pintam as obras cuja beleza nos seduz, percebemos que muitos deles eram ligados ao misticismo.

Talvez isto tenha a ver com a História da Arte, pois desde a Pré-História que os artistas fazem pinturas nas cavernas para se representar deuses da natureza, como a arte sacra que nos ajudou a visualizar a Via Sacra, os vitrais e santos das catedrais Góticas e o rosto dos santos católicos preferidos dos devotos (São Cristóvão dos motoristas, Santo Antônio casamenteiro, etc).

As emoções estéticas devem mesmo ser algo próximo do prazer de um êxtase místico ou religioso.

No Brasil, Gasparetto pintando nos estilos de diversos artistas antigos falecidos, na Inglaterra do século XIX, William Blake, poeta e pintor, usa a arte para expandir sua percepção e consciência.

No transe místico perde-se a noção de tempo e muda a percepção da realidade.Ora, ao exercitar o desenho com o lado direito do cérebro, acontecem os mesmos fenômenos, como pode constatar quem praticou os exercícios desenvolvidos por Betty Edwards baseados nas teorias do cérebro direito de Sperry (Prêmio Nobel de 1981).

Sempre me perguntei se haveria relação entre Arte e Esoterismo, desde que, lá pelos 8 anos de idade, conheci o baralho de Tarô de imagens que despertam o inconsciente coletivo a desafiam as leis matemáticas da probabilidade, Jung dizia de um Sincronicidade além das coincidências que conectava consciente e inconsciente.

Um artista que me fez perceber estas relações claramente foi o desenhista e ocultista Austin Osman Spare, também da Inglaterra, do começo do século XX.

Spare ganhou desde os 13 anos várias bolsas de estudo em Artes e aos 16 conheceu a Senhora Peterson (que diziam ser Bruxa, praticante de magia negra) que o iniciou em experiências de estados alterados de consciência que mudaram rapidamente sua percepção de realidade e desenvolveram um poder de atenção e concentração que admirava seus amigos; muitos críticos de arte e historiadores da arte o consideraram um precursor do movimento surrealista que surgiria na França, e até hoje muitos insistem em denominá-lo como "o primeiro pintor surrealista inglês", outros afirmam que ele lançou a moda de artistas fazerem exposições em PUBS ou bares noturnos, fora do espaço consagrado das galerias de arte.

Com uns 20 anos entrou para a Ordem Esotérica de Aleister Crowley (metódico e disciplinado no severo treinamento de seu sistema de iniciação ritualístico, detalhista, incluindo cabala, geomancia, tarot, alquimia e magia sexual) cujas exigências aborreceram e cansaram Spare. Crowley chegou a escrever na ficha dele que "um artista não pode compreender organização".

Como o verdadeiro artista, Spare era espontâneo e livre, agia por impulsos, comportamento instável e feliz, apaixonado pelos mistérios do Ocultismo e dirigido pelas intuições típicas do lado direito do cérebro.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Spare serviu no Egito, e pesquisou a religião, Arte e Simbolismo das pirâmides. Apaixonou-se pela rica religião e arte sacra egípcia das tumbas dos faraós.

Como tinha em comum com Crowley o interesse pela energia sexual, a Tantra Yoga da Índia, mas discordava do excessivo ritualístico metódico e repetitivo a ser decorado (típico do cérebro esquerdo, linear e formal), dedicou-se a criar seu próprio método místico.

Aí estava a guerra entre os lados do cérebro: Crowley-esquerdo e Spare-direito, razão metódica contra a emoção espontânea.

Baseado na força do Erotismo (o ORGONE de Reich surgiria somente muitos anos depois), Spare desenvolveu seu "ALFABETO ATÁVICO", a técnica de composição plástica dos SIGILS, um conjunto de sinais criado para despertar forças do inconsciente baseado nos hieroglifos egípcios, unindo a consciência a um arquétipo, a um poder primal, Deus Egípcio com cabeça de animal, uma pulsão incosciente, um atavismo herdado genéticamente, memória racial ou Inconsciente Coletivo-arquétipo para Jung.

O desejo gera um entusiasmo e euforia que preenche o corpo todo com o poder do Deus/arquétipo invocado (um tipo de emoção muito similar ao transe hipnótico profundo) desencadeado ao entregar-se ao ato de desenhar.

Um método místico criado por um artista para artistas.

Spare desenhou visões de fadas, sátiros, deuses e demônios dos bosques, inspirou-se nos livros de H. P. Lovecraft com descrições de arquiteturas dos antigos, de velhas raças não-humanas que constroem civilizações nos abismos cósmicos do espaço inter-galático (Que depois inspirariam também os quadrinhos de Druillet).

Spare sempre retratou suas diversas amantes, parceiras de experiências sexuais místicas, fascinadas pela oportunidade de realizar intercurso sexual com deuses encarnados nele e sentir as forças primitivas, selvagens e livres manifestadas nele e em sua arte subliminar.

Entre suas obras, incluindo murais e afrescos em lojas de antigas ordens esotéricas, está a metodologia mística dos SIGILS (refinados e elegantes desenhos de letras combinadas em monogramas, ex-libris, brasões ou logotipos ou mesmo retratos figurativos cujo significado deve ser esquecido antes de envolver os sinais em energia sexual por meio de rituais) e a sofisticada "ARENA DE AMON" como um disco que sistematiza as paixões que movem os desejos humanos escalonados em polaridades de atração e repulsão de rara complexidade, porém de evidente e lógica simplicidade após compreendidos, e extremamente funcionais e eficazes.

Estes métodos místico-artísticos exigem um envolvimento profundo, um rito de identificação emotcional intenso e enorme poder de concentração, e lembram o psicodrama de Moreno e técnicas de Teatro Experimental, de vanguarda, surgidas nos anos 60 (Spare faleceu em 1956), bem como há similaridade com idéias de um teatro ritualístico de Antonin ARTAUD e do grupo espanhol FURA DEL BAUS.

Esta envolvente força passional no processo de desenhar e pintar, a liberalidade sensual e nudez retratadas nas obras, as imagens de Deuses egípcios antropozoomórficos de cabeças de Falcão ou Chacal, tudo isto acrescido ao mistério dos intrigantes e sedutores SIGILS leva muitos estudiosos a catalogarem Spare como praticante de magia negra.

Spare foi um pesquisador da expressão plástica, um artista ocultista que desafiou as antigas tradições esotéricas pelo direito de ser original e criativo.

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