Rodin e Camille Claudel
“Se a religiosidade não existisse, eu teria a necessidade de inventá-la. Os artistas verdadeiros são, em suma, os mais religiosos dos mortais”
Rodin, em O misticismo na Arte, capítulo de A Arte.
Em uma caminhada sem destino pelas ruas da Cidade-Luz, bebericando nos cafés, visitando as livrarias, cheguei até o Centro Georges Pompidou com sua armação de canos de metal e ao “Quartier de l’Horloge” com a livraria mais “Cult”, a “Fantasmagories”(13, rue Brantome) com vasto acervo sobre artes visuais, Cinema de Autor, TV e Histórias em Quadrinhos de Arte, além de fanzines de vanguarda bem experimentais.
Depois, passeio pelo Metrô, visito a estação Saint Michel, toda verde em estilo Art Noveau, e depois chego a uma enorme mansão com jardins atráz, quase um pequeno bosque, o Museu Rodin (77 Rue de Varenne, Metrô estação Varenne) no Hôtel Biron.
O movimento e as expressões, toda a emotividade registrada nas estátuas é profundamente comovente, é impossível não repetir o universal clichê “Parecem estar vivas”, pois Rodin congela em um instantâneo tridimensional toda a energia de uma vida e suas contradições.
Rodin vivia no meio de uma explosão cultural, frequentava seu atelier gente do porte de Alberto Santos Dummont, o brasileiro que voôu em Paris no primeiro avião, o 14-Bis, que Rodin imortaliza em um busto; o mago inglês Aleister Crowley, e todos os literatos, políticos, artistas de um momento de explosão cultural na europa centralizado em Paris; é a época do pintor Cézanne (cujas banhistas e mesas com várias perspectivas inspiram Picasso ao Cubismo), do filósofo alemão Nietzsche e seus aforismos, da música de Debussy (que depois seria namorado de Camille).
Entre 1887 a 1890 a fama de Rodin explode, junto à aluna-modelo-escultora-amante Camille Claudel, cuja história de amor é inesquecível, do namoro à loucura da mulher abandonada, destruindo as próprias obras como um aborto cósmico, e internada em manicômio até o falecimento.
O secretário de Rodin, Rainer Maria Rilke, envolvido neste turbilhão cultural anos depois fica nos anais da História da Arte, não só como poeta e crítico literário, como pelo livro clássico, uma leitura obrigatória de todos que amam a arte, o livro “Cartas a um jovem poeta” onde dá lições de vida e de arte a seu correspondende Franz Xaver Kappus, em um processo de anos de missivas, o longo e paciente processo de desenvolvimento da sensiblilidade.
Para Rilke, de seu longo convívio com Rodin, desnuda-se um artista que ele descreve com carinho, um artista plástico sempre lendo, invariavelmente com um livro nas mãos, Rodin exercitava uma transformação de sí próprio na escultura, modelando a sí mesmo, corpo e espírito, nas obras; uma arte cujo conjunto é um testemunho-grimório em pedra e metal, um registro das etapas deste processo alquímico, onde a beleza está nas entrelinhas de toda a realidade, e se não a percermos, é por não ter os olhos capazes de maravilhar-se com o encanto do mundo.
Rodin fala com a linguagem do corpo, sua poesia está no espaçial, não no verbal, uma arte sensual, visceral, fruto das emoções aceitas e assumidas, refinadas, desenvolvidas, sutilmente sofisticadas.
É o que fala o gravurista-poeta inglês Willian Blake: “Arte é a árvore da vida” referindo-se à cabala, e “Os caminhos dos excessos levam à sabedoria”.
Também o diz o poeta francês Arthur Rimbaud, na Alquimia d
o Verbo: “O Poeta se faz vidente por meio de um longo, intenso e racional desregramento de todos os sentidos”.
Estes excessos, este desregramento dos sentidos é o êxtase místico presente na obra de Rodin e Camille Claudel.
É preciso estar frente a estas esculturas, andar em torno delas e, em O Beijo, perceber o instante congelado no tempo que antecede em um microssegundo o toque dos lábios dos amantes…sutil e sensível registro de todo o vórtice de sentimentos do primeiro beijo paradoxalmente entre tímido e apaixonado do casal.
O garbo de Balzac envolto na capa, tão polêmico-como toda obra genial o é-a frorça de Vitor Hugo, as redes de emoções sobrepostas dos Burgueses de Calais, e a beleza das velhas anciãs, enrrugadas em sua dignidade e miséria…mas, acima de tudo..
A Porta do Inferno de Rodin !
Passeando nos jardins do Museu Rodin e saboreando, usufruindo tanta beleza, deparei-me repentinamente com sua gigantesca ”Porta do Inferno”. A emoção estética comove-me até as lágrimas, choro soluçando , profundamente tocado , lamentando por Rodin e por mim mesmo.. .até hoje ainda sinto um nó na garganta ao ver esta porta! Sinto todo o sofrimento das estátuas coladas naquele portal soldado, enormidade fundida em um bloco único; a poesia tenebrosa do monstruoso portal que nunca , jamais poderá ser aberto..eternamente selado..todas as obras inacabadas ou nunca realizadas, todos esboços esquecidos e trancados no inferno criativo de cada artista…o ‘’salão dos recusados” das idéias rejeitadas no meu inconsciente, retorcidas e injustiçadas, que nunca ninguém vai ver.
A Porta do Inferno é o Nigredo, a Obra em Negro dos Alquimistas, a noite escura da alma descrita pelos místicos europeus, a descida ao inferno do herói mítico, Orfeu, Hercules, etc…talvez tudo fosse mera projeção do meu inconsciente..mas, então, o que não seria projeção na vida? Vale a autêntica emoção que tomou todo meu ser, e minha sinceridade em deixar que crescesse até o meu pranto soluçante e convulsivo.
Acima de tudo, o ”Pensador” observa sem nada poder fazer…a fatalidade cruel de nosso inferno pessoal criativo..quantas obras ainda vou condenar a minha própria porta do inferno? Indubitavelmente, tenho muito mais obras no meu inferno das não-nascidas que as realizadas…quanta dor, agonia eterna das formas mentais que vizualizei e não permití existirem.
Após visitar por horas o jardim florido e a comovente sala ”Camille Claudel” e deliciar-me com Psiquê estendendo as mãos para um cupido que escapa, com aquelas Fofoqueiras e a magnífica Onda verde com as três meninas encarando a iminente e inevitável tragédia do vagalhão avassalador; tantas lindas miniaturas introvertidas e delicadas em seus tocantes detalhes femininos, intimidade e interiorização, obras que comovem por serem tão pessoais, tão biográficas…é Camille dentro de cada uma, ela retrata sua alma, seus sentimentos, e os expõe a nú como somente um verdadeiro Artista tem a coragem de se expor, um mundo de sensibilidade extrema, um retrato comovente da alma feminina; …só então, depois de uma longa tarde, é que conseguí então controle para voltar à Porta do Inferno e tirar uma coleção de fotos-cicatrizes.
O que se pode ver, no Museu Rodin, são apenas 15 obras tardiamente reunidas por Rodin e colocadas, por sua orientação, em uma sala especial. Mas são inigualáveis.
As enormes esculturas de Rodin poderiam indicar um caráter extrovertido, social, público-político, com ligações com os poderosos, status, aparências; mármores pesados, duros, sólidos, gigantescos (segundidade) e seu enquadramento nos cânones das obras públicas agradando as maiorias (nem sempre…) em uma terceiridade, sua amargura e fracasos poderiam estar na “Porta do Inferno” das obras condenadas que todo artista tem nos porões do inconsciente ou do atelier, tudo encabeçado pelo próprio auto-retrato retorcido como o Pensador no umbral.
Ao contrário, as delicadas miniaturas de Camile Claudel mostram sua personalidade introvertida, detalhista, materiais transparentes, fragilidade oculta sob as máscaras sociais de mulher independente; do conjuno das esculturas e sua cronologia pode-se reconstruir um sintagma de provável culpa e aborto nas faces infantis, de perda do amado nas “psiquês sem cupido” e da perda de auto-estima em medusas , antevendo a catástrofe com as três deusas (moiras-parcas) sob a enorme e inevitável onda prestes a rebentar sobre elas,chegando à internação no sanatório onde falece.
Bibliografia:
FABRE-PELLERIN, Brigitte. Le jour e la nuit de Camille Claudel. France: Lachenal e Ritter, 1998.
RILKE, Rainer Maria. Rodin. Rio de Janeiro:Relume Dumará, 1995.
RILKE, Rainer Maria. Poemas e Cartas a um jovem poeta. Rio de Janeiro: Tecnoprint, S.D.
RODIN, Auguste. A arte: conversas com Paul Gsell. Rio de Janeiro:Nova Fronteira,1990.
RODIN, Auguste. Aquarelas e desenhos eróticos. Bibliothèque de l’image, 1996.
THE RODIN MUSEUM GUIDE. Laurent, Monique, Paris:Éditions Hazan- Les Guides Visuels, 1994 .
WAHBA, Liliana Liviano.Camille Claudel: Criação e loucura. Rio de Janeiro: Record-Rosa dos ventos, 1996.
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
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Rodin, em O misticismo na Arte, capítulo de A Arte.
Em uma caminhada sem destino pelas ruas da Cidade-Luz, bebericando nos cafés, visitando as livrarias, cheguei até o Centro Georges Pompidou com sua armação de canos de metal e ao “Quartier de l’Horloge” com a livraria mais “Cult”, a “Fantasmagories”(13, rue Brantome) com vasto acervo sobre artes visuais, Cinema de Autor, TV e Histórias em Quadrinhos de Arte, além de fanzines de vanguarda bem experimentais.
Depois, passeio pelo Metrô, visito a estação Saint Michel, toda verde em estilo Art Noveau, e depois chego a uma enorme mansão com jardins atráz, quase um pequeno bosque, o Museu Rodin (77 Rue de Varenne, Metrô estação Varenne) no Hôtel Biron.
O movimento e as expressões, toda a emotividade registrada nas estátuas é profundamente comovente, é impossível não repetir o universal clichê “Parecem estar vivas”, pois Rodin congela em um instantâneo tridimensional toda a energia de uma vida e suas contradições.
Rodin vivia no meio de uma explosão cultural, frequentava seu atelier gente do porte de Alberto Santos Dummont, o brasileiro que voôu em Paris no primeiro avião, o 14-Bis, que Rodin imortaliza em um busto; o mago inglês Aleister Crowley, e todos os literatos, políticos, artistas de um momento de explosão cultural na europa centralizado em Paris; é a época do pintor Cézanne (cujas banhistas e mesas com várias perspectivas inspiram Picasso ao Cubismo), do filósofo alemão Nietzsche e seus aforismos, da música de Debussy (que depois seria namorado de Camille).
Entre 1887 a 1890 a fama de Rodin explode, junto à aluna-modelo-escultora-amante Camille Claudel, cuja história de amor é inesquecível, do namoro à loucura da mulher abandonada, destruindo as próprias obras como um aborto cósmico, e internada em manicômio até o falecimento.
O secretário de Rodin, Rainer Maria Rilke, envolvido neste turbilhão cultural anos depois fica nos anais da História da Arte, não só como poeta e crítico literário, como pelo livro clássico, uma leitura obrigatória de todos que amam a arte, o livro “Cartas a um jovem poeta” onde dá lições de vida e de arte a seu correspondende Franz Xaver Kappus, em um processo de anos de missivas, o longo e paciente processo de desenvolvimento da sensiblilidade.
Para Rilke, de seu longo convívio com Rodin, desnuda-se um artista que ele descreve com carinho, um artista plástico sempre lendo, invariavelmente com um livro nas mãos, Rodin exercitava uma transformação de sí próprio na escultura, modelando a sí mesmo, corpo e espírito, nas obras; uma arte cujo conjunto é um testemunho-grimório em pedra e metal, um registro das etapas deste processo alquímico, onde a beleza está nas entrelinhas de toda a realidade, e se não a percermos, é por não ter os olhos capazes de maravilhar-se com o encanto do mundo.
Rodin fala com a linguagem do corpo, sua poesia está no espaçial, não no verbal, uma arte sensual, visceral, fruto das emoções aceitas e assumidas, refinadas, desenvolvidas, sutilmente sofisticadas.
É o que fala o gravurista-poeta inglês Willian Blake: “Arte é a árvore da vida” referindo-se à cabala, e “Os caminhos dos excessos levam à sabedoria”.
Também o diz o poeta francês Arthur Rimbaud, na Alquimia d
o Verbo: “O Poeta se faz vidente por meio de um longo, intenso e racional desregramento de todos os sentidos”.
Estes excessos, este desregramento dos sentidos é o êxtase místico presente na obra de Rodin e Camille Claudel.
É preciso estar frente a estas esculturas, andar em torno delas e, em O Beijo, perceber o instante congelado no tempo que antecede em um microssegundo o toque dos lábios dos amantes…sutil e sensível registro de todo o vórtice de sentimentos do primeiro beijo paradoxalmente entre tímido e apaixonado do casal.
O garbo de Balzac envolto na capa, tão polêmico-como toda obra genial o é-a frorça de Vitor Hugo, as redes de emoções sobrepostas dos Burgueses de Calais, e a beleza das velhas anciãs, enrrugadas em sua dignidade e miséria…mas, acima de tudo..
A Porta do Inferno de Rodin !
Passeando nos jardins do Museu Rodin e saboreando, usufruindo tanta beleza, deparei-me repentinamente com sua gigantesca ”Porta do Inferno”. A emoção estética comove-me até as lágrimas, choro soluçando , profundamente tocado , lamentando por Rodin e por mim mesmo.. .até hoje ainda sinto um nó na garganta ao ver esta porta! Sinto todo o sofrimento das estátuas coladas naquele portal soldado, enormidade fundida em um bloco único; a poesia tenebrosa do monstruoso portal que nunca , jamais poderá ser aberto..eternamente selado..todas as obras inacabadas ou nunca realizadas, todos esboços esquecidos e trancados no inferno criativo de cada artista…o ‘’salão dos recusados” das idéias rejeitadas no meu inconsciente, retorcidas e injustiçadas, que nunca ninguém vai ver.
A Porta do Inferno é o Nigredo, a Obra em Negro dos Alquimistas, a noite escura da alma descrita pelos místicos europeus, a descida ao inferno do herói mítico, Orfeu, Hercules, etc…talvez tudo fosse mera projeção do meu inconsciente..mas, então, o que não seria projeção na vida? Vale a autêntica emoção que tomou todo meu ser, e minha sinceridade em deixar que crescesse até o meu pranto soluçante e convulsivo.
Acima de tudo, o ”Pensador” observa sem nada poder fazer…a fatalidade cruel de nosso inferno pessoal criativo..quantas obras ainda vou condenar a minha própria porta do inferno? Indubitavelmente, tenho muito mais obras no meu inferno das não-nascidas que as realizadas…quanta dor, agonia eterna das formas mentais que vizualizei e não permití existirem.
Após visitar por horas o jardim florido e a comovente sala ”Camille Claudel” e deliciar-me com Psiquê estendendo as mãos para um cupido que escapa, com aquelas Fofoqueiras e a magnífica Onda verde com as três meninas encarando a iminente e inevitável tragédia do vagalhão avassalador; tantas lindas miniaturas introvertidas e delicadas em seus tocantes detalhes femininos, intimidade e interiorização, obras que comovem por serem tão pessoais, tão biográficas…é Camille dentro de cada uma, ela retrata sua alma, seus sentimentos, e os expõe a nú como somente um verdadeiro Artista tem a coragem de se expor, um mundo de sensibilidade extrema, um retrato comovente da alma feminina; …só então, depois de uma longa tarde, é que conseguí então controle para voltar à Porta do Inferno e tirar uma coleção de fotos-cicatrizes.
O que se pode ver, no Museu Rodin, são apenas 15 obras tardiamente reunidas por Rodin e colocadas, por sua orientação, em uma sala especial. Mas são inigualáveis.
As enormes esculturas de Rodin poderiam indicar um caráter extrovertido, social, público-político, com ligações com os poderosos, status, aparências; mármores pesados, duros, sólidos, gigantescos (segundidade) e seu enquadramento nos cânones das obras públicas agradando as maiorias (nem sempre…) em uma terceiridade, sua amargura e fracasos poderiam estar na “Porta do Inferno” das obras condenadas que todo artista tem nos porões do inconsciente ou do atelier, tudo encabeçado pelo próprio auto-retrato retorcido como o Pensador no umbral.
Ao contrário, as delicadas miniaturas de Camile Claudel mostram sua personalidade introvertida, detalhista, materiais transparentes, fragilidade oculta sob as máscaras sociais de mulher independente; do conjuno das esculturas e sua cronologia pode-se reconstruir um sintagma de provável culpa e aborto nas faces infantis, de perda do amado nas “psiquês sem cupido” e da perda de auto-estima em medusas , antevendo a catástrofe com as três deusas (moiras-parcas) sob a enorme e inevitável onda prestes a rebentar sobre elas,chegando à internação no sanatório onde falece.
Bibliografia:
FABRE-PELLERIN, Brigitte. Le jour e la nuit de Camille Claudel. France: Lachenal e Ritter, 1998.
RILKE, Rainer Maria. Rodin. Rio de Janeiro:Relume Dumará, 1995.
RILKE, Rainer Maria. Poemas e Cartas a um jovem poeta. Rio de Janeiro: Tecnoprint, S.D.
RODIN, Auguste. A arte: conversas com Paul Gsell. Rio de Janeiro:Nova Fronteira,1990.
RODIN, Auguste. Aquarelas e desenhos eróticos. Bibliothèque de l’image, 1996.
THE RODIN MUSEUM GUIDE. Laurent, Monique, Paris:Éditions Hazan- Les Guides Visuels, 1994 .
WAHBA, Liliana Liviano.Camille Claudel: Criação e loucura. Rio de Janeiro: Record-Rosa dos ventos, 1996.
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
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