Filosofia é transmitida pelo conhecimento por presença

Filosofia é uma prática de observar a realidade que nos cerca, no meu álbum de quadrinhos “Guerra das Idéias” temos resumos de filosofias em sua dialética, em diálogos, mas conhecer livros e palavras difíceis deles é apenas mera erudição, ler mil livros não torna você um filósofo, um “amigo da sabedoria” como definiu o matemático e filósofo grego PITÁGORAS que influenciou Sócrates, Platão e Aristóteles.

Na Internet, assisti um professor dar uma metáfora elucidativa do que seja Filosofar: Imagine um erudito que passou anos lendo e estudando as partituras musicais de todas as óperas; Vivaldi, Mozart, Beethoven, Wagner, e as sabe de cor, cada nota, cada pausa; mas este erudito de gabinete viveu numa torre-biblioteca e nunca na vida dele tocou um instrumento, sequer foi à ópera, nunca ouviu uma orquestra filarmônica tocando uma ária de uma destas óperas – imagine então levar o erudito ao teatro e qual seria o impacto nele, o deleite de ouvir os músicos entoarem em seus instrumentos e ser tomado e emocionado pela beleza da melodia e harmonia!

Esta é a diferença entre ler livros de filosofia e estar presente vendo um filósofo vivo filosofar bem na sua frente.

A presença do filósofo é o que os budistas chamam “Satsang”, sentar-se junto, estar no campo búdico, ser contagiado pela beleza e verdade pujante de um pensamento filosófico brotando na sua frente, brotando em você, sendo construído passo a passo, este contágio é o tal “conhecimento por presença” que Sócrates passou a Platão e este passou a Aristóteles, é o ensinar pelo exemplo vivo.

Eu tive o privilégio de ter ouvido DOIS filósofos diferentes filosofando e isto mudou total e radicalmente a minha visão sobre Filosofia.

Durante meu mestrado fui orientado na ECA USP por Modesto Farina, italiano filho de cônsul, nascido no Egito, que, por sua vez, foi orientado pelo Filósofo Benedetto Croce, nos termos da “academia/universidade” o filósofo Croce seria meu “avô acadêmico” e Farina meu patrono ou pai “acadêmico” (Croce é muito conhecido pela frase dele “Traduttore Traditore” – toda tradução é uma traição ao autor original, no curso de Tradutor-Intérprete debatíamos frequentemente esta frase).

Como orientado do Farina, pesquisador de cores na Publicidade, eu tive acesso aos encontros da BASF do grupo de pesquisas “CASA DA COR”, onde tive o choque estremecedor e estarrecedor de presenciar a palestra de “VILÉM FLUSSER”.

Flusser era filósofo autodidata, judeu nascido em Praga, Tchéquia, morou no Brasil e escreveu sua obra filosófica em idioma português, com livros publicados em todo o mundo, foi o Filósofo das Tecnologias, das Imagens Técnicas, da Fotografia e Imagem digital, lecionou “Filosofia da Ciência” na POLI USP e “Teorias da Comunicação” na FAAP.

O impacto de ouvir e ver Flusser por uma hora pensando a “civilização judaico-cristã” mudou minha vida e direcionou minha postura dali para sempre.

Com algumas alunas de artes, cujos maridos engenheiros foram alunos de Flusser, eu consegui fotocópias xerox de três jogos das apostilas mimeografadas que Flusser distribuía nas aulas da Poli, e cada jogo era diferente, em cada aula de cada ano Flusser comentava aspectos diferentes da realidade, era uma filosofia sobre o mundo real, era VIVA, era VERDADEIRA!

Consegui as cartas de Flusser à “CASA DA COR”, projeto da BASF no qual Flusser era “O” mentor!

Li tudo o que pude: consegui alguns de seus livros em sebos e também reuni diversos artigos dele publicados em revistas científicas que encontrei em bibliotecas.

Estudando e meditando percebi as sutilezas do humor judaico e a fina ironia socrática permeando sua fala.

Toda a obra flusseriana é sempre um incentivo a pensar e refletir, uma provocação amistosa e espirituosa, brincalhona, para o interlocutor questionar e crescer.



Um ano depois, no encontro seguinte da “CASA DA COR”, já bem familiarizado com a obra disponível de Flusser, eu assisti a segunda sua palestra de Flusser, bem-preparado e tomei coragem de abordá-lo e pedir um autógrafo. Que honra.

Poucos sabem, mas o primeiro “Provedor de Internet” da USP, servidor ou computador telemático, chamava-se “FLUSSER” em sua homenagem.

Após o impacto de Flusser, as minhas aulas mudaram de tom, passei a “filosofar”, a articular meu processo de pensamento e de fala na maneira a qual Flusser mostrou por seu exemplo, criando o discurso em sala de aula, interagindo com os estudantes (nunca gostei do termo “aluno” pois significa “A-Lumini”, sem luz, e toda alma é uma faísca da luz divina), incentivando o diálogo, testando e sedimentando meu pensamento e, creio, dando condições para os estudantes pensarem também.

Os meus textos também mudaram de textura, tessitura, tecido.

Por ter conhecido Flusser em pessoa, tecendo seu discurso diante de meus olhos e ouvidos, sinto sua voz e seu sorriso, muitas vezes irônico, no texto e, como ocorre com quem conheceu o autor, posso intuir onde Flusser está sendo provocativo com suas ironias. Foi minha voz que procurei em meus próprios textos? Não sei, de todo modo, uma outra qualidade foi acrescida ao meu pensamento e não sei como explicar em palavras, é um mistério.

O termo grego “MYSTIKÓS” – “μυστικός” tem em sua raiz o verbo “MYO”, que significa “fechar” e, em particular, “fechar os olhos”, e também fechar a boca, calar-se, pois a experiência fica além das palavras, do verbal;

em Filosofia e Teologia “mística” significa a busca para alcançar comunhão ou identidade consigo mesmo, com o divino, com a Verdade espiritual, ou com Deus através da experiência direta, intuição;

os gregos chamavam “Místico” a pessoa iniciada nos “Mistérios de Elêusis” ou “Mistérios Eleusinos”, ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone, que se celebravam em Elêusis, localidade da Grécia próxima a Atenas.

Eram considerados os de maior importância entre todos os que se celebravam na antiguidade.

O segundo filósofo que ouvi filosofar foi acompanhando minha esposa no Curso on Line de Filosofia de Olavo de Carvalho.

Hoje discorrer sobre Olavo de Carvalho é impossível sem expor-se aos extremismos passionais irracionais, por isso, infelizmente, lamentavelmente, ainda não há ambiente nem é o momento de explicar com a devida proporção, razão, “ratio”, medida, o que Olavo fez e quem ele foi, o impacto e significado de sua obra.

Então, antes de ser xingado de “Comunista” ou “Fascista”, ressalvo que não estou enquadrado em nenhuma das duas supersimplificações reducionistas.

Como disse Julius Evola em uma entrevista em 1971: “Você sabe... fascista, racista, são as etiquetas que se usa quando não há a intenção de descer à profundidade das ideias”. A “Falácia Erga-Homini” é o “Estratagema 38” que Schopenhauer ensina em seu livro de Erística “Como ganhar um debate sem ter razão”, Paul Valéry explicou isto claramente: "Os incapazes de atacar um pensamento atacam o pensador".

Para você entender a genealogia das idéias da ‘Filosofia Política’ de ‘Calazans zans zans’, elas iniciam-se no livro chinês "TAO TE KING" de Lao Tsé, lido por Henry David Thoreau (criador "DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL" e "WALDEN"), que trocou cartas com o escritor russo Leon Tolstoi (criador das "Comunidades Anarco-Cristãs" mostradas no filme "A Última Estação"), que trocou cartas com o advogado indiano Mahatma Gandhi (criador da "Satyagraha", que significa literalmente "insistir pela verdade"- a resistência pacífica), que trocou cartas com Petra Kelly (criadora do grupo ecológico-político alemão "Die Grünen" OS VERDES ou PARTIDO VERDE, - Eco em grego é Oikos, casa, o mundo é nossa casa e como dizia São Francisco de Assis: Irmão Sol, Irmã Lua, Irmã Árvore, todos irmãos filhos criados pelo mesmo Deus, assim é a poesia da revelação mística).

Nunca me considerei nem bem de esquerda nem muito de direita, e muito menos do morno centro indeciso "em cima do muro", prefiro tentar sempre me manter de mente aberta e questionadora na "avant-garde" - à frente e acima!

Também não sou seguidor de nenhum filósofo, inspiro-me sim no exemplo original de Platão e Aristóteles bem como na prática que vivenciei com Vilém Flusser e Olavo de Carvalho. Como Pitágoras, considero-me um humilde mero amigo da sabedoria.

Desde criança tenho um poster no meu quarto com uma oração atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz”.

Não posso omitir sobre Olavo de Carvalho que ele mesmo uma vez confessou que seu discurso não é restrito apenas à mera “Pedagogia” (“Pedo” significa criança e “Gogia” significa falar) mas que seu ensino é, na verdade, “PSIQUEGOGIA”, falar para as ALMAS que o ouvem (Psique significa Alma, leia o mito grego sobre Eros ou Cupido e Psiquê).

Filosofar é estar voltado ao mundo real pensando em tudo todo o tempo, filosofar é uma atitude, um modo de vida, uma sinceridade coerente, honestidade consigo mesmo, integridade, ética, amor-próprio, busca da Verdade, da Justiça, da Beleza.

Ler livros de filosofia é ler partituras musicais, esta erudição é literatura e nada mais; decorar frases e citar filósofos não é ser filósofo, como decorar uma receita culinária lida em um livro não faz de você um cozinheiro de restaurante cinco estrelas.



Filosofar é uma prática constante e habitual, permanente e infindável, interminável.

“Guerra das Idéias” é só um convite, um chamado, uma mera prévia de uma introdução. Em cada episódio há um confronto expondo as ideias na forma de diálogo.

Minha base e ponto de partida filosófico é a origem, Platão e Aristóteles; Platão nos deu a Filosofia de Sócrates escrita em diálogos, no “Banquete” e outros livros de Platão presenciamos um honesto “diálogo amigável” (“eumeneis elencho”) no qual amigos trocam seus pensamentos na busca da Verdade, cada um pondera e discute a fala do amigo, é um diálogo transformador no qual cada um e todos aprendem, o diálogo faz crescer e deixa algo depois em cada participante, os debatedores e os ouvintes saem transformados, todos ganham com o diálogo aberto e franco.

Fazemos esta dialética, este diálogo interior, quando pensamos mentalmente os prós e contras de um assunto, ou quando lemos um livro filosófico e debatemos mentalmente com o autor, ou observando a realidade que nos cerca e confrontando-a até chegarmos a um juízo ou conclusão lógica.

Uma História em Quadrinhos na qual eu pratico a Filosofa desenhando é “Sombria”, publicada na revista “QuadrECA”. Essa história tem só três páginas, texto bem leve e coloquial, em poucas linhas e bastante espaço vazio para não cansar, deixar leve um assunto o qual é denso e pesado, enquanto digo tudo unindo imagem desenhada com o monólogo interior do personagem, em um cenário e figurino onírico, surreal, poético, mas minimalista; nesta HQ “Sombria” eu não repito outros pensadores, eu mostro o MEU PRÓRIO “FILOSOFAR”.





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